quarta-feira, 15 de junho de 2011

Quem Te Traz as Cores - Capítulo 2

Alexandre Barbosa da Silva

Capítulo 2 - A Grande Coincidência - Parte 2


Ela resolveu que ia prestar atenção ao banco da frente, abriu o livro novamente, mas não conseguia se concentrar nas duas coisas ao mesmo tempo. Por que ela fechou o livro se ia abrir novamente? Por que ela gostava de fazer isso. Trazer à própria vida certa teatralidade. É inegável o apelo de certa forma cinematográfico, exercido por esse ato de fechar o livro e abrir um sorriso, mesmo que ninguém a visse. Pensar nessa idéia a divertia.



O vizinho de Douglas havia parado de fazer perguntas há alguns minutos, o que deu a ele a liberdade de colocar os fones de ouvido e pegar um livro da sua bolsa de mão. O Guia do Mochileiro das Galáxias, do seu xará Douglas Adams. Já havia lido duas vezes, mas sempre se divertia, rindo das piadas que já conhecia.

Um tempo depois, o vizinho o cutucou no ombro. Douglas tirou os fones de ouvido pra escutar o que ele dizia:

- Vou dar um pulinho no banheiro, já volto.

- Ok – respondeu. Não entendeu o porquê de o cara ter que explicar aonde ia... alright.

Só deu tempo de recolocar os fones e voltar os olhos para o livro até sentir outra batidinha no ombro. Tirou novamente os fones e se virou pra a menina de cabelos coloridos que o havia cutucado.

- Oi. O que você está lendo? – Ela perguntou.

Douglas mostrou a capa do livro a ela.

- Clássico. – Ela disse encarando-o.

Douglas ficou um pouco desconfortável com o olhar da garota. Não conseguia ver de que cor eram os olhos dela, verde, azul, amarelo... não sabia dizer. A achou bonita, de um jeito estranho... não estranho, diferente. Não era uma beleza comum.

- Posso me sentar aqui? – ela apontou para o banco vazio, e já sentou sem esperar a resposta. Estava levemente nervosa, não era exatamente uma situação comum para ela abordar um estranho desse jeito. Ficou uns segundos sem falar nada, depois continuou

– Que música está ouvindo?

- É rock. Eu gosto de rock, os mais indie assim...

- Hmmm, como os Strokes, The Killers... eu gosto bastante também, mas escuto mais os clássicos dos anos oitenta, como The Cure, White Snake. Curte?

- Não conheço muitas músicas de nenhuma das bandas, mas gosto de algumas de cada – respondeu Douglas. Ela fazia muitas perguntas, então ele achou que estava na hora de entrar na conversa também – E então, qual é o seu nome? – perguntou fechando o livro.

- Gabrielle. Prazer em conhecê-lo – estendeu a mão para que ele apertasse.

- Douglas, e o prazer é meu.

A conversa estava mais formal do que Gabrielle estava acostumada, havia aquele clima estranho de quando duas pessoas não se conhecem. Mas ela continuou puxando assuntos, até que aos poucos Douglas foi ficando mais falante. Uns trinta minutos depois o vizinho de poltrona retornou e ficou olhando a situação com uma cara de quem não sabia se pedia para ela sair ou voltava para o banheiro.

- Gabrielle, está poltrona é dele – indicou o senhor parado no corredor, logo após parar de rir da última frase de Gabrielle. “É sério, aquela casa parecia uma mala de louco!” seja lá o que isso quer dizer.

- Ah, oi, como o senhor se chama? – ela perguntou. Tanto ela quanto Douglas se perguntavam: O que esse cara estava fazendo, pra demorar tanto no banheiro?

- Roberto.

- Olá senhor Roberto! Como vai? Será que poderia me fazer um favor? – Ela falava com um sorriso aberto para ele, seria difícil negar-lhe um favor - O senhor poderia sentar-se no meu lugar para que eu possa conversar com o Douglas? É logo nessa poltrona aqui atrás de mim.

- Ah, é claro que sim! Não tem problema nenhum .

Enquanto dirigia-se para a nova poltrona, Roberto lançou um olhar maroto a Douglas, como quem diz “Te saquei, malandrinho!”, só faltou dar uma piscadinha.

A partir daí, Douglas e Gabrielle conversaram durante quase toda a viajem. Ele a achou uma figura! Ela o achou tão diferente do que ela estava acostumada!

Quando faltava meia hora para a aterrissagem, ela mudou o rumo da conversa.

- Olha... Douglas, quando eu estava no banco de trás, não pude deixar de ouvir o que você falou sobre o seu pai, a Europa e tal.

- Ah, ok. Não tem problema. Quero dizer, eu estava falando disso com o Roberto, que é um completo estranho. Sem ofensas cara – ouviu-se um “tudo bem, não ofendeu” vindo do banco de trás – Na verdade eu nem sabia o nome dele até você perguntar.

Gabrielle riu.

- Não, é que... foi por isso que eu vim falar com você. É que... cara! É a maior coincidência que eu já vi...

- O quê? – Douglas estava agora muito curioso.

- Na verdade, eu também estou vindo pra Europa reencontrar meu pai, que eu não vejo desde os oito anos mais ou menos.

Nossa! Douglas pensou, isso sim é que é coincidência. Estava com uma cara de espanto que não passou despercebida.

- É, pois é. E como você está viajando sozinho, e eu também, pensei em convidá-lo... você vai achar estranho... – não era normal ela parecer insegura daquele jeito – convidá-lo para me acompanhar, daí depois eu posso acompanhá-lo também... quero dizer, só até a França. E como este avião vai pousar na Itália, acho que você comprou um pacote de viagens...

Douglas estava um pouco perplexo com o convite, mas ao mesmo tempo, a idéia o empolgava.

-Sim, vou passar pela Itália, depois vou para a Alemanha, Inglaterra, França e por último, Espanha. Mas... Por que...? Você mal me conhece.

- Sei lá, não acho que é o tipo de coisa que se faz sozinho, sabe, sem ter ninguém pra prestar um apoio. E, além disso, você diz que eu não o conheço, mas e toda essa conversa? Na verdade era só pra descobrir se você não era nenhum psicopata. Parabéns! Você passou no teste!

Douglas ainda não sabia, mas o que ela estava fazendo agora era uma das coisas mais difíceis pra ela. Mostrando-se um pouco vulnerável, por baixo de toda aquela aparência independente e auto-suficiente.

Douglas sorriu para ela.

-Claro, eu adoraria. Mas e você? Está indo direto para a Itália, não está? O que me leva a crer que seu pai está lá. Como vai me seguir em um tour pela Europa?

- Não se preocupe com isso. Pra uma coisa ele sempre prestou. Pra pagar para mim e para a minha mãe uma pensão bem gorda.

Eles então se calaram, e viraram-se para as poltronas da frente. Sorriram para si mesmos ao mesmo tempo. E também ao mesmo tempo, sentiram a mesma coisa. Algo que não pode ser descrito em palavras.

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