Nicolas estava andando pelo parque em uma tarde de verão. O
calor era imenso, parecia extrair toda a água, força e animo que existia em seu
corpo. Estava indo para o trabalho, como não ficava longe de sua casa resolveu
ir a pé para se exercitar um pouco e diminuir a culpa pelos hambúrgueres que
havia comido durante a semana. Na verdade não passava de uma ilusão essa idéia,
mas a sensação de enganar a si mesmo tornava sua mente um pouco menos nebulosa,
mais calma e descansada.
Ele se sentia estranho, por algum motivo não se lembrava que
dia da semana era. Talvez aquele ritmo repetitivo aliado ao calor houvesse
evaporado a sua noção de tempo. O parque estava cheio. Pessoas deitadas no
gramado tomando sorvetes que travavam uma batalha praticamente perdida contra o
calor. Outras pessoas liam o livro e o usavam como um adorno curioso para se
abanarem e espantar o calor excessivo.
Nicolas sentia uma angústia e inveja ao mesmo tempo, queria
poder desfrutar um pouco daquele mesmo lazer que as pessoas ali desfrutavam.
Porém como era um simples auxiliar de escritório, não despojava desse tipo de
privilégio.
Suas pernas doíam já mesmo pelo pouco que havia andado,
talvez fosse sintomas do seu sedentarismo pensou ele consigo. O mais estranho
era andar com aquela dor e parecer não vencer o trajeto até o escritório já
tendo uma pitada de arrependimento por desafiar o sol em um dia como aquele.
Repentinamente Nicolas ouviu um barulho de algo parecido com
um sino soar bem baixo. Parou e olhou para os lados assustado. Seria um carro de
policia ou dos bombeiros correndo contra o tempo ao socorro de alguém? Se
questionou. Continuou andando, porém o som ia aumentando gradualmente. As
pessoas a sua volta pareciam não se importar com aquele barulho que já podia
ser o sinônimo da palavra infernal. O som agora era tão alto que fazia seu café
da manhã vibrar dentro do estômago. Seus tímpanos doíam de forma absurda e
extremamente desagradável. As pessoas continuavam seus afazeres como se nada
estivesse acontecendo. Os edifícios começaram a tremeluzir até parecerem ser
feitos de algum tipo de macarrão recém cozido balançando para os lados.
Nicolas levantou-se de um pulo da cama com uma respiração
ofegante. Tinha sido um sonho tudo aquilo. No criado mudo ao lado da cabeceira
seu despertador tocava escandalosamente. O mesmo som que havia escutado em seu
sonho.
Ele apertou o botão para acabar com todo o alvoroço e jogou
sua cabeça sobre o travesseiro e ali ficou pensando sobre o sonho que tinha
tido. Um Sonho tão comum que era tão tedioso quanto se tivesse vivido aquilo
realmente. Depois de reunir muita força de vontade resolveu levantar para tomar
café e ir trabalhar. Agora, porém ele sabia o dia da semana era uma terça-feira
de verão tão calor quanto em seu sonho.
A grande diferença entre o sonho e a realidade era que no
parque tudo era mais agitado e caótico. Nicolas se sentia estranho nos últimos
dias. Sentia como se seu corpo fizesse tudo de forma automática, não tinha o
prazer de mover uma perna por vontade própria. Quase que como um escravo suas
pernas o levavam a destinos que no fundo ele não desejava. Seus pulmões
respiravam um ar fumacento e podre da cidade grande. Seus olhos enxergavam uma
multidão de placas e inconscientemente liam anúncios e seus respectivos
telefones de serviços. Nicolas sentia que ele havia se perdido em algum momento
do qual não podia se lembrar mais. Agora seu corpo havia se tornado um escravo
do dia-dia. Guiado por algo sem um propósito real.
Após soar devido ao calor e ser sujo pela poeira de um vento
forte que era o cartão de visitas de uma forte chuva que se aproximava da
cidade ele chegou ao seu trabalho como todos os dias.
Nicolas Trabalhou naquele dia com seus dedos que já tinham
quase que vontade própria e fazia o trabalho no modo automático. Quando o dia
de trabalho havia acabado e uma boa dose de chuva já havia caído sobre a cidade
restava à lama respingar nas calças e braços de Nicolas. Ele havia
experimentado apenas mais um dia de trabalho, lhe restava chegar em casa para
sonhar que estava indo para o trabalho.
Ao chegar em casa a única coisa que podia aliviar tudo de
ruim que o agoniava era um bom banho quente. Após se despir e entrar no Box girou
o registro do chuveiro e aquela água quente desabou por sobre seu corpo como
uma espécie de anestésico para o corpo e para a alma. Por algum tempo ele ficou
imóvel embaixo da água. Seus pensamentos pareciam ter se exilado em algum lugar
inacessível. Não havia sentimentos, não havia reação, talvez o trabalho o escravizasse
a tal ponto que não lhe restava nada além de vagar como um animal qualquer que obedece
sem saber o porquê.
Nicolas não aguentava mais, todo dia uma profunda tristeza e
desanimo o atingiam na hora em que seu despertador tocava. Sentia vontade de
abandonar tudo e tentar encontrar o seu eu que havia perdido já fazia algum
tempo.
Enquanto tomava banho percebeu que seu corpo estava
desgastado, cansado, exausto ao máximo de tantos anos pontuais naquela empresa.
Ele esfregava a esponja na pele e parecia que não sentia nada. Uma raiva
misturada com angustia brotou dentro de seu peito resultado de um acumulo de
anos em prol de uma vida que não tinha sentido e tão pouco valor. Foi então que
de tanto esfregar aquele corpo que ele já não sabia mais quem era, algo
inusitado aconteceu. Um pedaço da carne do seu braço se soltou. Curiosamente
não havia sangue, apenas o tom vermelho comum da carne. Assustado e tomado por
uma cólera de medo e raiva continuou a esfregar seu corpo e logo outros pedaços
começaram a se soltar e cair no Box do banheiro. Enquanto a água quente o
atingia e ele tomava banho quase todo o seu corpo estava em pedaços jazidos no
chão. Então Nicolas levantou a cabeça e rasgou seu rosto que parecia mais uma
máscara do que um rosto de verdade.
Ele não encontrou a morte como era de se esperar, pois algo
de estranho aconteceu. Ao sair do Box e se olhar no espelho se deparou com uma
figura um tanto quanto surpreendente. Ele era agora um ser de pele verde com
seis olhos e uma boca vertical. O ar quente do banheiro o tacava e desta vez
Nicolas o podia sentir, como nunca antes pode. Ele tinha sensações
verdadeiramente suas. Notou então que a forma do espelho tremeluzia como se não
fosse solida da maneira como enxergava antes, parecia agora feita de gelatina
ondulando continuamente.
Ele se virou e viu a porta ondulante que agora se distorcia
como uma espécie de redemoinho, sem hesitar abriu a porta e viu algo que fez
seus verdadeiros lábios sorrirem. Era um mundo novo que nunca tinha percebido,
era um mundo no mesmo lugar no velho porem vibrando em uma outra freqüência.
Ele entrou saiu por aquela porta para se deslumbra com aquele novo mundo novo e
nunca mais foi visto pelos amigos e pela família. Nicolas era agora livre pra
sentir de verdade.
Escrito Por: Édiner R Silveira