quinta-feira, 3 de maio de 2012

Talvez...


  Nasceu, e aprendeu a andar, a falar, a correr, a se vestir por conta própria. Aprendeu o caminho da escola e deixou de precisar que sua mãe levasse.

  Conheceu a morte cedo, quando seu avô morreu. Uma marca.

  Conheceu muitas pessoas malucas no segundo grau. Estas também deixaram suas marcas.

  Aprendeu junto com elas, que o mundo é muito mais do que a televisão mostra. Que os problemas tem raízes muito mais profundas do que a sociedade ensina. Aprendeu que ninguém dá a mínima pra isso.

  Tentou mudar o mundo na faculdade, não conseguiu. Frustrou-se, mas tinha ainda vinte anos apenas, e havia se apaixonado. Haveria muito tempo pra mudar o mundo.

  A mudança ficou pra depois, enquanto se separava, se apaixonava novamente e gastava seu tempo trabalhando. Pra comprar uma casa.

  Pra comprar um carro pra ir trabalhar, e assim, pagar a casa e o carro.

  Sempre quis escrever, desenhar, pintar, tocar um instrumento musical. Mas não havia tempo! Tinha que cuidar das crianças, da vida amorosa que equilibrava-se na beira de um abismo gigantesco.

  Chorava quando estava triste. Chorava quando estava feliz, por que pensava que a felicidade não duraria muito, e logo estaria triste novamente.

  As vezes queria acreditar que o momento bom duraria, mas isso só aumentava a queda quando quase podia enxergar a efêmera felicidade lhe escapar por entre os dedos, um momento antes de ela desaparecer.

  Vinte anos depois de começar a trabalhar naquela empresa, vei a demissão. Diziam que era por causa dos problemas com os remédios e outros vícios. Que não produzia mais como antigamente.

  Chorava. Por que ninguém dá a mínima. Quando criança seu mundo inteiro parou por um dia, e ninguém pareceu se importar. Mas era jovem, e havia superado. Havia deciddo que faria algo de maravilhoso com a sua vida. Que algumas pessoas sentiriam respeito e admiração por tudo o que tivesse feito.

  Mas não fora forte o suficiente. Deixara-se engolir pela vida... ou... o que chamam assim.

  Havia ainda tempo? Mais importante, havia ainda força?

Um comentário:

  1. Mostrou nesse texto a angústia que todos nós, admiradores das artes, sentimos ao sermos levados cada vez mais a tarefas cotidianas para outrem, as quais acabam tirando nosso tempo e inspiração para dedicarmos às mais diversas formas de arte, que são as únicas formas de verdadeira manifestação do espírito - de algo superior à matéria. Tal angústia que faz-nos fugir cada vez mais de tais padrões; angústia que se revelam com nossa aversão e negação ao sistema social atual.

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