Alexandre Barbosa da Silva
Capítulo 1: A Grande Coincidencia – Parte 1
- É... eu descobri onde ele está, ou pode estar, por acaso. A minha avó meio que deixou escapar durante uma discussão com a minha mãe.
Era esquisito que Douglas estivesse falando de coisas tão pessoais com um estranho, que ele conhecera a apenas alguns minutos. Estranho este que estava sentado ao seu lado num avião. Mas afinal, que mal teria em falar essas coisas para uma pessoa que ele nunca mais veria? O problema era contar a sua mãe, Cristina, que ele estava viajando para a Europa para encontrar seu pai sumido a tanto tempo, que era tão desconhecido quanto o seu vizinho de poltrona, ou amigo “dose-única”, como dizem em Clube da Luta. Sua mãe não sabia que ele sabia, é claro. Não fazia parte de seus conhecimentos que ele chegava em casa da faculdade um certo dia, e foi obrigado a parar na porta ao ouvir a voz exaltada de sua avó. Lembrava-se como se estivesse ouvindo naquele momento:
“... você não aprende? Primeiro foi o Rafael, que teve um filho com você, e depois foi pra França! Você tem que me ouvir, eu nunca me enganei com essas coisas.”
Por sorte ela se enganou quanto ao último padrasto de Douglas, que era o motivo da discussão. Lembrar-se deste dia o fazia se sentir um pouco desnorteado.
- Senhorita, poderia me trazer mais um champagne, por favor? – pediu à comissária de bordo.
O plano de estar ali foi arquitetado e começou a ser posto em prática um ano depois daquele dia. Viajar para a Europa sem que Cristina suspeitasse de seu real objetivo demandou muito tempo, pesquisas e principalmente omissões, pois ele sabia que se ela soubesse, o teria convencido a não ir.
Uma garota de cabelos coloridos (um pouco vermelhos, um pouco louros), compridos atrás, mas que iam ficando mais curtos a medida que se aproximavam de uma franja repicada, estava absorta em sua leitura de O Hobbit. A literatura fantástica a deixava sem ar, pois era do tipo que gostava de fugir da realidade de vez em quando. Principalmente da realidade de estar a sei lá quantos mil metros de altitude. Ler era a forma que havia encontrado para se distrair quando viajava de avião. E também para não pensar em muitas outras coisas sem tanta importância... a vida, por exemplo, embora esta posição despreocupada em relação a própria existência tenha sido fruto, principalmente, da influência exercida pelos livros que lia.
Porém, a vida a distraiu da fantasia quando sem querer, captou uma conversa na poltrona da frente:
- Mas se a sua mãe não sabe que está aqui procurando seu pai, quem lhe contou onde ele está?
- É... eu descobri onde ele está, ou pode estar, por acaso. A minha avó meio que deixou escapar durante uma discussão com a minha mãe.
O coração já normalmente agitado da garota de cabelos coloridos agitou-se ainda mais. Se ela não fosse ela, não teria acreditado no que acabara de ouvir. Mas como ela era, de fato, ela, apenas fechou o livro, e abriu um sorriso.
Capítulo 2 - A Grande Coincidência - Parte 2
Ela resolveu que ia prestar atenção ao banco da frente, abriu o livro novamente, mas não conseguia se concentrar nas duas coisas ao mesmo tempo. Por que ela fechou o livro se ia abrir novamente? Por que ela gostava de fazer isso. Trazer à própria vida certa teatralidade. É inegável o apelo de certa forma cinematográfico, exercido por esse ato de fechar o livro e abrir um sorriso, mesmo que ninguém a visse. Pensar nessa idéia a divertia.
O vizinho de Douglas havia parado de fazer perguntas há alguns minutos, o que deu a ele a liberdade de colocar os fones de ouvido e pegar um livro da sua bolsa de mão. O Guia do Mochileiro das Galáxias, do seu xará Douglas Adams. Já havia lido duas vezes, mas sempre se divertia, rindo das piadas que já conhecia.
Um tempo depois, o vizinho o cutucou no ombro. Douglas tirou os fones de ouvido pra escutar o que ele dizia:
- Vou dar um pulinho no banheiro, já volto.
- Ok – respondeu. Não entendeu o porquê de o cara ter que explicar aonde ia... alright.
Só deu tempo de recolocar os fones e voltar os olhos para o livro até sentir outra batidinha no ombro. Tirou novamente os fones e se virou pra a menina de cabelos coloridos que o havia cutucado.
- Oi. O que você está lendo? – Ela perguntou.
Douglas mostrou a capa do livro a ela.
- Clássico. – Ela disse encarando-o.
Douglas ficou um pouco desconfortável com o olhar da garota. Não conseguia ver de que cor eram os olhos dela, verde, azul, amarelo... não sabia dizer. A achou bonita, de um jeito estranho... não estranho, diferente. Não era uma beleza comum.
- Posso me sentar aqui? – ela apontou para o banco vazio, e já sentou sem esperar a resposta. Estava levemente nervosa, não era exatamente uma situação comum para ela abordar um estranho desse jeito. Ficou uns segundos sem falar nada, depois continuou
– Que música está ouvindo?
- É rock. Eu gosto de rock, os mais indie assim...
- Hmmm, como os Strokes, The Killers... eu gosto bastante também, mas escuto mais os clássicos dos anos oitenta, como The Cure, White Snake. Curte?
- Não conheço muitas músicas de nenhuma das bandas, mas gosto de algumas de cada – respondeu Douglas. Ela fazia muitas perguntas, então ele achou que estava na hora de entrar na conversa também – E então, qual é o seu nome? – perguntou fechando o livro.
- Gabrielle. Prazer em conhecê-lo – estendeu a mão para que ele apertasse.
- Douglas, e o prazer é meu.
A conversa estava mais formal do que Gabrielle estava acostumada, havia aquele clima estranho de quando duas pessoas não se conhecem. Mas ela continuou puxando assuntos, até que aos poucos Douglas foi ficando mais falante. Uns trinta minutos depois o vizinho de poltrona retornou e ficou olhando a situação com uma cara de quem não sabia se pedia para ela sair ou voltava para o banheiro.
- Gabrielle, está poltrona é dele – indicou o senhor parado no corredor, logo após parar de rir da última frase de Gabrielle. “É sério, aquela casa parecia uma mala de louco!” seja lá o que isso quer dizer.
- Ah, oi, como o senhor se chama? – ela perguntou. Tanto ela quanto Douglas se perguntavam: O que esse cara estava fazendo, pra demorar tanto no banheiro?
- Roberto.
- Olá senhor Roberto! Como vai? Será que poderia me fazer um favor? – Ela falava com um sorriso aberto para ele, seria difícil negar-lhe um favor - O senhor poderia sentar-se no meu lugar para que eu possa conversar com o Douglas? É logo nessa poltrona aqui atrás de mim.
- Ah, é claro que sim! Não tem problema nenhum .
Enquanto dirigia-se para a nova poltrona, Roberto lançou um olhar maroto a Douglas, como quem diz “Te saquei, malandrinho!”, só faltou dar uma piscadinha.
A partir daí, Douglas e Gabrielle conversaram durante quase toda a viajem. Ele a achou uma figura! Ela o achou tão diferente do que ela estava acostumada!
Quando faltava meia hora para a aterrissagem, ela mudou o rumo da conversa.
- Olha... Douglas, quando eu estava no banco de trás, não pude deixar de ouvir o que você falou sobre o seu pai, a Europa e tal.
- Ah, ok. Não tem problema. Quero dizer, eu estava falando disso com o Roberto, que é um completo estranho. Sem ofensas cara – ouviu-se um “tudo bem, não ofendeu” vindo do banco de trás – Na verdade eu nem sabia o nome dele até você perguntar.
Gabrielle riu.
- Não, é que... foi por isso que eu vim falar com você. É que... cara! É a maior coincidência que eu já vi...
- O quê? – Douglas estava agora muito curioso.
- Na verdade, eu também estou vindo pra Europa reencontrar meu pai, que eu não vejo desde os oito anos mais ou menos.
Nossa! Douglas pensou, isso sim é que é coincidência. Estava com uma cara de espanto que não passou despercebida.
- É, pois é. E como você está viajando sozinho, e eu também, pensei em convidá-lo... você vai achar estranho... – não era normal ela parecer insegura daquele jeito – convidá-lo para me acompanhar, daí depois eu posso acompanhá-lo também... quero dizer, só até a França. E como este avião vai pousar na Itália, acho que você comprou um pacote de viagens...
Douglas estava um pouco perplexo com o convite, mas ao mesmo tempo, a idéia o empolgava.
-Sim, vou passar pela Itália, depois vou para a Alemanha, Inglaterra, França e por último, Espanha. Mas... Por que...? Você mal me conhece.
- Sei lá, não acho que é o tipo de coisa que se faz sozinho, sabe, sem ter ninguém pra prestar um apoio. E, além disso, você diz que eu não o conheço, mas e toda essa conversa? Na verdade era só pra descobrir se você não era nenhum psicopata. Parabéns! Você passou no teste!
Douglas ainda não sabia, mas o que ela estava fazendo agora era uma das coisas mais difíceis pra ela. Mostrando-se um pouco vulnerável, por baixo de toda aquela aparência independente e auto-suficiente.
Douglas sorriu para ela.
-Claro, eu adoraria. Mas e você? Está indo direto para a Itália, não está? O que me leva a crer que seu pai está lá. Como vai me seguir em um tour pela Europa?
- Não se preocupe com isso. Pra uma coisa ele sempre prestou. Pra pagar para mim e para a minha mãe uma pensão bem gorda.
Eles então se calaram, e viraram-se para as poltronas da frente. Sorriram para si mesmos ao mesmo tempo. E também ao mesmo tempo, sentiram a mesma coisa. Algo que não pode ser descrito em palavras.
Capítulo 3: Lost in Translation
Tudo bem, eu vou tentar descrever em palavras. É um misto de empolgação e... sono? Não, não sono, sonho! Aquela sensação de que as coisas não parecem reais, mas ao mesmo tempo, você não se preocupa em acordar e descobrir que não foi real – o que na verdade, é uma das piores coisas que pode acontecer ao humor de uma pessoa. É como uma plenitude efêmera. Sim, pois só dura alguns momentos. Depois é necessário que outra coisa aconteça para trazer de volta aquela sensação. Difícil de entender? Pois é, também o é para seu humilde narrador que, aliás, não devia estar se referindo a si mesmo como uma (e em terceira) pessoa, já que ele não havia feito isso até agora. Mas tudo bem… danem-se as regras e convenções impostas.
Gabrielle foi na frente, e disse que esperaria por Douglas na saída do Aeroporto Internacional de Roma, chamado de Leonardo da Vinci (ou Aeroporto Fiumicino), enquanto ele pegava as suas malas e apresentava o seu passaporte a um simpático senhor. Bom, pelo menos parecia, já que Dougas não entendia nada do que o homem dizia.
Alguns minutos depois, e após muitos mal entendidos, ele conseguiu se livrar das burocracias pertinentes a viagens internacionais. Próximo a saída, Roberto que passava apressado, o desejou boa sorte.
- Obrigado mesmo. Valeu! – agradeceu.
Encontrou Gabielle parada na frente de uma imensa frota de taxis. Ela puxava um cachecol da bolsa e o apertava tão forte contra o pescoço que parecia que queria se estrangular.
- Meu Deus, como é frio! – disse ela tremendo quando o avistou. Ele concordou com a cabeça.
- Mas já vim preparado – e indicou as luvas e a enorme jaqueta que vestia.
- Em que hotel vai ficar? – ela perguntou.
- Em um não muito luxuoso eu acho, considerando que eu comprei um pacote mais barato. Nem sei pronunciar o nome do hotel – então ele mostrou a ela o nome escrito em um folheto.
- Hmmm, também não sei pronunciar – ela riu – mas vou pra lá com você. Meu pai só me espera amanhã, e eu não quero adiantar o encontro, por isso não vou pra casa dele hoje.
- Tudo bem então, vou ver se arrumo um taxi.
Ela o observou se afastar até o taxi mais próximo, e riu enquanto ele gesticulava em grandes arcos, e apontava para o folheto, tentando fazer o taxista entender a mensagem. Depois ele voltou correndo com o taxista em seu encalço. Os dois ajudaram a colocar as malas de Gabrielle no porta-malas do pequeno carro branco. Os dois se jogaram no banco traseiro para escapar do frio enquanto o motorista assumia a direção. Assim que o carro começou a se locomover, Douglas riu.
- O que foi? – perguntou gabrielle, que se surpreendera com a risada repentina.
- Ah, não é nada. Eu só espero realmente que estejamos indo para o lugar certo – riu novamente e depois ficou olhando pra fora distraidamente.
Ela riu também e se virou para a janela. Contemplou a bela cidade e suas construções imponentes, ainda mais belas devido a cor e a luminosidade que só existem ao final do crepúsculo, o último fiapo de dia, que mesmo lutando bravamente, só dura poucos minutos na briga contra a noite que cai esmagadora. Gabrielle colocou a mão no vidro. Os últimos raios de sol mediam apenas um centímetro por entre seus dedos, que se fechavam conforme o astro-rei era forçado a afundar no horizonte.
Capítulo 4 : Lá e De Volta (para o presente) Outra Vez.
- Aparentemente estamos no lugar certo – falou Gabrielle comparando o nome no folheto com o da fachada do hotel.
- É, e não parece ruim... – constatou Douglas.
- Ok, vamos fazer o check-in.
Douglas começou a falar com a recepcionista em inglês. Ela dizia que não havia outro quarto para uma pessoa, a não ser o que estava reservado pra ele, e que além dele, só havia uma suíte de dois quartos, que custava o dobro.
- Não tem problema, eu pago a diferença – falou Gabrielle sorrindo – Pelo menos são dois quartos, assim não vai ficar muito estranho – então dirigiu-se a recepcionista – There is a particular toilet for each room, isn’t? – seu inglês não era maravilhoso, mas ela se fazia entender.
- Yes, of course - respondeu a recepcionista.
- Perfect! – Gabrielle já começou a assinar os papéis que a mulher lhe entregava. Pouco tempo depois eles subiam o elevador com um mensageiro que carregava as malas em um carrinho de muita má vontade. Ele lançava olhares enraivecidos para os dois, e não falava uma palavra, apenas olhava emburrado (entre um olhar perverso e outro) para o painel que mostrava o andar, como se esperar o elevador chegar fosse durar uma eternidade.
Quando chegaram no quarto, Douglas percebeu que Gabrielle estava tentando conquistar a simpatia do garoto, sorrindo e agradecendo pelos seus serviços – embora o garoto os fizesse de uma forma um tanto rude. Ela só parou quando ele fez um suspiro de irritação depois que ela o agradeceu por ajudar a colocar as malas de Douglas no outro quarto.
Depois de esvaziar o carrinho, o mensageiro ficou parado no corredor, olhando os dois como se esperasse alguma coisa. Gabrielle foi até a porta, lhe lançou um imenso sorriso, que desta vez ele quase retribuiu, e então fechou a porta com um baque, sem dizer uma palavra.
- Se ele achava que ia ganhar gorjeta depois do suspirinho, deve ser maluco – falou Gabrielle transtornada. Definitivamente, ser antipática com alguém era algo que ela fazia a contragosto, mesmo que a pessoa merecesse.
Douglas riu alto.
- Vou tomar um banho – disse.
-Eu também – falou ela, e cada um entrou em um banheiro.
Depois do banho, Douglas decidiu que a dar uma volta, talvez comer uma pizza, estava faminto. Saiu do quarto e viu Gabrielle saindo do outro banheiro de roupão, e depois se jogando em um tapete que ficava entre a cama e a mesinha onde estava a televisão. Deitada no chão, olhava para o teto com uma expressão pensativa.
- Gabrielle, eu acho que vou dar uma volta, quem sabe comer uma pizza, conhecer um pouco a cidade. Afinal, depois de amanhã eu já vou para Veneza.
- Aham, tudo bem, vai lá – disse ela erguendo a cabeça com dificuldade, ainda deitada no chão – quer dizer, nós não precisamos ficar o tempo todo juntos... não é?
Ela havia entendido errado, na verdade ele ia convidá-la pra ir junto, e conversar mais um pouco, e não percebeu que ela na verdade também queria ir.
- Ah, ta bom... ok – falou ele meio desconcertado. Então se virou pra porta e começou a andar.
Por sorte (ou não), ela era mais perceptiva.
- Douglas - ela disse enquanto ele se afastava – posso ir junto?
Ainda virado de costas pra ela, ele sorriu. Depois diminuiu o sorriso e virou-se novamente na direção dela.
- Tá, se levanta, e coloca uma roupa quente, deve estar ainda mais frio agora – ele então estendeu a mão para ela, que aceitou a ajuda sorrindo também.
- Ah, você não pode achar o terceiro melhor que os outros, principalmente o segundo! - exclamava Gabrielle do outro lado da mesa, com um pedaço de pizza na mão.
- É sério, eu só fui ver De Volta para o Futuro Parte 3 depois de velho, e como já tinha visto os outros cinqüenta mil vezes antes... acho que gostei mais do que deveria – era a primeira vez que a conversa tinha tirado a expressão pensativa e séria do rosto de Gabrielle, e Douglas estava dando corda ao assunto, por que sabia que ela estava pensando no no encontro com o pai no dia seguinte.
- Tudo bem... pelo menos concordamos sobre o primeiro Matrix e o sexto livro do Harry Potter. Mas ainda acho que não conseguiria criar filhos com alguém que acha o terceiro De Volta para o Futuro o melhor da trilogia.
Douglas ficou encabulado. Isso mesmo, como um adolescente de quinze anos (ou menos). Ela riu, e depois disso, veio o silêncio da falta de assunto. O sorriso de Gabrielle começou a diminuir, até ela voltar a ficar séria e pensativa. Douglas não conseguia pensar em outro assunto para começar – efeito colateral de ter ficado encabulado. Quando foi abrir a boca para falar a primeira coisa que lhe veio a mente, ela falou:
- Eu sei o que você está fazendo Douglas – Eu disse que ela era perceptiva – obrigada. Mesmo. É a prova de que a minha idéia de virmos juntos foi de fato, ótima.
Douglas apenas concordou com a cabeça.
- Mas... vamos terminar de comer e voltar para o hotel, já está ficando tarde.
Comeram, e conversaram mais um pouco no caminho de volta. Gabrielle tentando fingir que não estava nervosa. Estar nervosa não era uma situação comum para ela também. Deitada na cama do hotel, depois que Douglas lhe deu boa noite e foi para o outro quarto. Ficou uma hora pensando no dia seguinte sem conseguir dormir. Estava preocupada, mas sabia que era uma boa atriz, quando se falava em esconder os sentimentos – a não ser talvez, de Douglas – e que pularia a parte das acusações contra o pai, fugiria dos clichês e pelo menos no começo, representaria um papel calmo, sensato e forte, sem choro, sem rancores...
Capítulo 5: Só é clichê até acontecer com você.
Para o pai, tudo parecia normal, mas para Douglas, mesmo a conhecendo há tão pouco tempo, era visível que Gabrielle não estava ali. Mas ele tinha o pressentimento de que ela estava chegando, pouco a pouco, por entre os sorrisos forçados e a conversa cordial. Era como se ele estivesse olhando para uma bomba-relógio, como se ela não estivesse nem ouvindo a conversa com a qual concordava.
Douglas se preparou para a sua chegada quando ela deixou claro que não estava interessada em uma “história engraçada”, afastou a cadeira, olhou para os próprios pés e respirou fundo...
- Eu não tenho nada pra fazer mesmo, não se preocupe.
- Sério?
- É. Afinal foi pra isso que nós viemos juntos, pra darmos apoio um ao outro – disse Douglas terminando de se arrumar para um almoço com o pai de Gabrielle.
- Mas assim você vai perder tempo que poderia estar usando para conhecer a cidade.
- Na verdade não, todo mundo tem que parar pra comer.
Gabrielle estava apertando nervosamente os nós dos dedos.
- Tá… eu sei que fui eu quem pediu, mas tinha que me certificar de que você não estava deixando de fazer nada por minha causa.
- Não tem problema, eu só vou cobrar o favor em Paris.
- Combinado – ela disse indo em direção a porta com seu vestido preto de aparência cara, enquanto Douglas arrumava a gravata em frente ao espelho. Tinham que estar bem vestidos, o almoço era num restaurante muito fino, ou seja, caríssimo, freqüentado apenas por gente rica como o pai de Gabrielle e jovens namorados que gastam boa parte do salário para pedir a namorada em casamento – Vou te esperar no corredor.
E saiu rápido, fechando a porta atrás de si.
Douglas terminou com a gravata, deu uma arrumada no cabelo e então os dois saíram parra pegar o taxi que os levaria ao restaurante.
Para Douglas, o restaurante parecia um palácio, ornamentado com gigantescos lustres que refletiam no chão, que só pode ser descrito como “espetacularmente encerado”. Gabrielle não prestava atenção a esses detalhes e caminhava rapidamente atrás do funcionário que lhe mostraria a mesa reservada.
Seu pai não havia chegado ainda, então ela e Douglas sentaram-se para esperar. Gabrielle disse que pediria depois, pois estava esperando por outra pessoa .
- Chegamos cedo – disse gabrielle.
Douglas ainda estava admirando o local.
- Que bom que é você quem vai pagar a conta… - disse olhando perdidamente para um vaso de flores que só podia ser descrito como “absurdamente florido”. Gabrielle riu, ainda que nervosamente. Nesse momento, duas coisas aconteceram (principalmente, quer dizer, tirando o homem que Douglas viu de relance pelas enormes janelas de vidro que nem poderiam ser descritas, descendo de pára-quedas em plena rua): Douglas notou que as mãos de Gabrielle tremiam, e o pai dela chegou.
Um garçom lhe indicou a mesa e ele se aproximou de Gabrielle que se levantou. Douglas a imitou, como se estivessem na presença de um rei.
- Gabrielle? – começou mal com essa interrogação...
- Sou eu, sim – respondeu ela cordial, e estendeu a mão, que ele apertou com uma expressão estranha, como se esperasse um abraço.
- E o seu amigo, como se chama?
- Douglas. Ah, Douglas esse é o Diogo.
- É um prazer conhecê-lo – disse Diogo apertando a mão de Douglas.
- Igualmente – respondeu Douglas. O homem era alto, aparentando uns cinqüenta anos e muito bem vestido. Tinha uma presença imponente.
- Ok, vamos pedir então? – ele disse sentando-se, no que foi acompanhado pelos outros.
Depois disso seguiu-se um silêncio que só foi quebrado uns minutos depois de fazerem o pedido, quando Diogo começou a puxar assuntos e fazer perguntas sobre a vida da filha.
- E como foram os seus anos na faculdade?
- Bons – ela disse. Todas as respostas de Gabrielle eram assim, monossilábicas quando possível, e acompanhadas de um sorriso educado. Vendo que esta abordagem não era exatamente propícia para o momento, Diogo começou a falar da vida dele: “Certa vez eu fui à Nova Zelândia, já esteve lá?” “Não” “É mesmo? Talvez possamos ir lá um dia, é lindo...”
Falar da própria vida também não estava quebrando o bloqueio de Gabrielle, e a imponência de Diogo começava a diminuir perante a incapacidade dele de extrair qualquer coisa da filha. Douglas que não falava nada, só quebrou o jejum de palavras para dizer:
- Com licença, vou ao banheiro.
Nesse momento a expressão de Gabrielle mudou por um segundo, e ela olhou para Douglas quase suplicando.
- Eu já volto – ele disse a olhando nos olhos.
Alguns minutos depois , quando ele voltou do banheiro, parecia que as chances de sucesso de Diogo não estavam aumentando, e para Douglas, Gabrielle estava distante. Quando os pedidos chegaram, interrompendo a frase de Diogo que começou com “Ah, lembrei de uma história engraçada...”, Douglas percebeu que o teatrinho de Gabrielle ia cair por terra. Enquanto os garçons colocavam os pratos sobre a mesa, ela virou a cabeça para a janela, ficou olhando perdidamente para a rua com a mão no queixo cobrindo a boca. Soltou um suspiro que estava trancado desde que ela havia chegado ao restaurante. Talvez, desde sempre.
Quando os garçons saíram, ela afastou a cadeira da mesa e olhou para baixo, para os próprios pés, deixando que o cabelo caísse na frente do rosto. Respirou fundo e depois emitiu um som agudo, como um gemido de dor. Ela estava segurando-se para não chorar a todo custo. Diogo apenas a olhava impotente. Não tinha nenhuma experiência com filhos.
- Gabrielle – falou Douglas. Ela levantou os olhos cheios de lágrimas e os fixou nos de Douglas. Ele finalmente conseguiu ver de que cor eram os olhos dela, era um tom entre o verde e o amarelo mel, lindo... – você precisa fazer isso – completou.
Primeiro, a expressão dela foi de total surpresa e em seguida mudou pra tristeza e choro. Choro que começou baixinho e foi aumentando até poder ser ouvido pelas pessoas nas mesas vizinhas. Para ela, era como se estivesse à beira de um penhasco no qual estava pendurada, segurando-se para não cair. Aí então, sem aviso, ela simplesmente se jogou.
- Não! – ela gritou olhando para o pai - Eu não vou chorar! Não vou te acusar de ter nos abandonado, me abandonado! De não ter tentado fazer contato nos últimos... sei lá, quinze anos? Não vou dizer que é um idiota se está pensando que depois de todo esse tempo, um almoço e uma conversinha vão resolver tudo! E é claro! Não vou dizer que você fez falta nos meus aniversários e toda essa bobagem!
Diogo fez menção de falar, mas Douglas o lançou um olhar de negação.
- Por que não fez! Não vou cair nos clichês de reencontrar o papai que me abandonou! – Agora Gabrielle soluçava, dizia as palavras com dificuldade, parecia que não estava conseguindo respirar – Não vou chorar! Não vou! Eu não... – As palavras ficavam mais fracas, e as lágrimas escorriam pelo seu rosto. A cabeça estava baixa novamente.
Então ela ficou de pé.
- Desculpe... – não dava pra saber pra quem ela falara, pois ela olhava de um para o outro. Douglas apostava que era para si própria. Gabrielle se virou e começou a ir em direção a entrada do restaurante ainda chorando muito. Novamente, Diogo fez menção de se manifestar, mas Douglas fez um sinal para que permanecesse sentado e foi atrás dela.
A alcançou no saguão de entrada chorando baixinho, parada em pé, as mãos como se estivesse abraçando a si mesma. Douglas ficou de frente para ela, afastou os cabelos que lhe caíam nos olhos e a abraçou.
Ficaram ali parados por um tempo que não saberiam precisar. Toda a dor que ela sentia também estava nele, e o momento de confrontar isso estava próximo para ele também. Ele podia sentir ela tremendo em seus braços, e pensar no sentimento que compartilhavam o fazia querer abraçá-la ainda mais forte.
Capítulo 6: The Interlude
Sugestão de música para a "montagem escrita": AQUI xD
Existem partes de uma história em que não acontecem muitas coisas, ou acontecem poucas coisas para um período de tempo muito grande. Nesses casos, nos filmes, se usa uma montagem. Uma colagem de cenas, música tocando e nada de som ambiente.
Mas em uma história escrita, essas partes normalmente ficam marcadas como partes de marasmo. É como se assistíssemos um programa onde as pessoas narram o que está acontecendo naquele momento em um programa de culinária.
Portanto, como o pretensioso narrador que sou, proponho agora uma montagem escrita:
“Douglas abraçado com Gabrielle no saguão do restaurante. Ele a solta e conversa com ela um pouco… ela sorri, mesmo com os olhos ainda cheios de lágrimas. Eles começam a caminhar em direção a mesa da qual haviam levantado”
“É noite, Douglas levanta-se da cadeira do aeroporto e pega as suas malas. Gabrielle ao seu lado, também levanta-se, mas não tem mala nenhuma com ela. Mais um abraço, e quando ele se afasta, ela acena.”
“Um funcionário do aeroporto pede algo a Douglas. Douglas entrega a passagem, onde está escrito: Berlin”
“Douglas, sentado ao lado da janela do avião contempla a escuridão lá fora, salpicada de pontinhos brilhantes. Sua expressão é pensativa, quase triste.”
“Gabrielle anda por uma casa enorme, nem presta atenção aos belíssimos móveis e aos grandes lustres, parece já ter certa intimidade com o local. De repente, com um movimento brusco, mas ainda com certa dose de delicadeza, leva a mão ao bolso e tira o celular.”
“Na mensagem de texto está escrito: Vc devia ter vindo, tudo é muito lindo aqui na Alemanha, tenho conhecido muitos lugares maravilhosos. To tirando um monte de fotos, te mostro tudo quando nos encontrarmos, aí vc me conta como foram as coisas com o seu pai. Vejo vc em Londres!!”
Capítulo 7: Inglaterra
“É claro que ela vai aparecer! Que bobagem!”
Era o que Douglas pensava ao observar a chuvosa Londres pela janela do avião enquanto pousava. Afinal, ela não respondera a sua última mensagem.
“Eu acho” pensou dez minutos depois enquanto pegava as malas na esteira. Conforme ia andando para a saída, onde tinha marcado de se encontrar com Gabrielle, este pensamento mudou para “Com certeza”, “...” e por fim “ai meu Deus!”, até ser varrido de sua mente completamente ao avistá-la.
Ela estava sentada em um canto próximo a saída do aeroporto, com um copo de café expresso em uma mão e seu livro na outra. Parecia não ouvir nem prestar atenção a nada a sua volta.
Ele chegou sem falar nada e sentou-se ao lado dela.
Aparentemente ela nem percebeu.
Ele ficou encarando-a, ainda quieto. Aos poucos ela foi ficando mais desconfortável, desviava o olhar do livro rapidamente para espiá-lo pelo canto do olho. Numa dessas espiadas ela se sobressaltou.
-Douglas! Que susto!
- Olá! – disse ele sarcástico, com um sorriso, contendo uma gargalhada – Nunca vi
ninguém tão concentrado...
- Tá, tudo bem – ela disse ainda meio nervosa, guardando o livro – vamos indo?
Os dois juntaram as malas e saíram para pegar um taxi.
Já era praticamente noite e chovia muito quando chegaram ao hotel. Apenas para descobrirem que desta vez, além de haver somente uma suíte e um quarto para uma pessoa, a suíte era de apenas um quarto e um banheiro.
Douglas sorria malicioso. Era incrível como ele conseguia disfarçar sua insegurança quando queria.
- Isso é coisa sua, não é? – disse Gabrielle dando uma “malada” em Douglas.
- Como poderia? – defendeu-se ele ainda com o mesmo sorrisinho. Ela não disse nada, apenas cerrou os olhos numa expressão ao mesmo tempo desconfiada e bem humorada.
Alguns minutos depois já estavam acomodados na suíte. Gabrielle pedira um colchão de solteiro para colocar no chão ao lado da grande cama de casal.
- Vamos sair para jantar? – perguntou Douglas.
- Ok, mas eu preciso tomar um banho antes.
- Tá, eu espero, tomei banho há poucas horas.
Ela correu para o banheiro e Douglas ligou a televisão. Estavam entrevistando um cara que ficou famoso uns dias antes por saltar de um prédio na Itália para se suicidar, mas levou um pára-quedas para o caso de mudar de idéia no ar. Pode parecer loucura, mas no fim ele estava certo, já que de fato, mudou de idéia e aterrissou suavemente no meio de uma rua movimentada de Roma. Estranhamente, ver aquilo não soou nenhum sino (ou não acendeu nenhuma lâmpada, como preferir) na cabeça de Douglas, que foi para a sacada dar uma olhada na cidade. Os prédios, as ruas e as pessoas de Londres tinham algo mágico para ele. Olhava as pessoas lá embaixo passarem com seus guarda-chuvas e cachecóis, marcas registradas da cidade, maravilhado.
- Douglas... – chamou Gabrielle da porta do banheiro.
- O quê? – respondeu ele virando-se.
- Não se vira pra cá! – ela gritou – eu esqueci de trazer as roupas, vira pra lá.
- Tá ok, não vou espiar.
Ele ouviu o som dos passinhos rápidos vindo e indo no tapete, seguido da batida da porta do banheiro. Não conseguiu conter um sorriso. Gabrielle era ao contrário das outras pessoas, parecia que quanto mais convivia com ele, menos ela se parecia com a garota tagarela que ele conheceu no vôo para a Itália.
Depois de jantarem em um restaurante não muito distante do hotel, resolveram ir a um pub, aproveitando o clima Rock and Roll da cidade. Era um local comprido, porém estreito, com um palco ao fundo e mesas de madeira envernizada, combinando com o aspecto rústico e aconchegante das paredes e do bar.
Sentaram-se em uma mesa distante do palco, para que a música ao vivo não chegasse a impedir uma conversa.
- E então, por que não respondeu a minha mensagem? – perguntou Douglas quando chegou com as bebidas que haviam pedido.
- Ah, por que meu celular quebrou – respondeu ela – deixei cair da sacada, agora estou com um novo.
- Então foi por isso... depois tem que me passar o número do novo.
- Aham, você também tem que me passar novamente, não tenho mais o seu.
- Ok, sem problemas – disse Douglas tomando um gole da bebida e fazendo uma careta – então, me conta, como foram as coisas com o seu pai?
- Estranhas no começo... – começou ela arrumando o cabelo – sabe como é, nós não tínhamos, e não temos ainda, muita intimidade. Mas começamos a nos conhecer um pouco melhor, passeamos juntos e tal, colocamos o papo quase em dia. Ele me contou que mandava cartas pra minha mãe. Que depois de uns anos havia se arrependido de ter perdido o contato comigo, e tentou voltar atrás, mas minha mãe não queria mais saber, embora mandasse notícias minhas para ele sempre. Eu a entendo sabe? Porque ela não deixou ele se reaproximar... quer dizer, como ela saberia que ele não faria isso de novo? Se ele tivesse feito teria sido ainda pior.
- Mas no geral foi tudo bem? – Douglas sentia que daqui a pouco estaria na fase da bebida onde começaria a falar demais – Você disse que passearam, chegou a conhecer algum lugar legal?
- Ah, não fomos a nenhum lugar turístico ou marcante assim. Nós saíamos pra jantar, e ele me levou pra patinar no gelo... ele disse que a minha mãe contava pra ele dos torneios que eu participava e que sempre quis ver.
- Sério? Você patina no gelo mesmo, como essas profissionais das olimpíadas de inverno?
Gabrielle riu.
- Não como elas – e riu novamente – mas eu treino bastante.
- Que legal, nossa. Nunca tinha conhecido ninguém que fizesse isso. E você gosta?
- Se eu gosto? – Douglas podia jurar que tinha visto os olhos dela brilharem – Pra mim, patinar é o mais próximo que o ser humano pode chegar de voar. É uma sensação incrível, sério – e então ela deu um último gole na sua bebida, pedindo outra logo após.
Continuaram conversando por mais algum tempo, até que o cansaço da viajem os abateu, e retornaram ao hotel para dormir. Como ela ganhara no par ou ímpar, ficara com a cama. “Você roubou!” ele disse. “Como poderia?” ela respondeu com um sorriso.
Ao todo passaram quatro dias na Inglaterra, conhecendo pontos turísticos como o Palácio de Bucknghan, o Parlamento, o Big Ben e lugares famosos devido aos Beatles terem tocado lá o passado. Em um desses passeios, Douglas avistara ao longe um lugar que pensou ser perfeito para ir com Gabrielle na noite que antecedia a partida deles para a França.
“Eu tenho um plano para esta noite. Eu vi um lugar que acho que você vai gostar.” Foi o que ele disse para ela.
“Onde?” ela perguntou curiosa.
Ele não respondeu.
- Agora você vai ter que colocar isto na frente dos olhos – disse ele ao chegarem a uma esquina, segurava um paninho preto para servir de venda.
Ela o olhou com uma expressão desconfiada.
- Tudo bem – ela disse meio que a contragosto, depois colocou o paninho ao redor da cabeça e Douglas deu um nó.
Ele a conduziu virando a esquina e por mais uns 100 metros até uma construção grande, parecida com um ginásio. Quando entraram sentiram a temperatura diminuir. O coração de Gabrielle acelerou. Quantas vezes já não havia tido essa sensação? Sabia exatamente onde estava, mesmo não sabendo ONDE exatamente estava. Adorou a surpresa antes mesmo de abrir os olhos. Gostava mais de Douglas agora do que antes. Na verdade não era o fato de gostar mais... era o GOSTAR que havia mudado...
- Pode abrir – ele disse soltando o nó que havia feito.
Ela abriu os olhos e viu aquilo que já sabia, a pista de patinação. Ouviu o som que tanto gostava... do atrito entre o gelo e a base metálica dos patins das pessoas que estavam lá. Olhou para Douglas e abriu um largo sorriso, ainda mais desconcertante do que o que ela havia lançado para Roberto para pedir-lhe um favor no avião para a Itália.
Ele retribuiu, a pegou pelo braço e se dirigiu até o local onde pegariam os patins.
- Você também vem né? – perguntou ela.
- Ah não, nunca fiz isso, vou passar vergonha na frente de todo mundo. Nem pensar.
- Ah, vamos. Tudo tem uma primeira vez. Vai deixar a oportunidade passar? – então ela lhe lançou um olhar que fez com que nos próximos minutos os dois estivessem devidamente calçados e prontos para patinar.
- Tá, eu vou, mas quero que você vá primeiro – falou Douglas com as pernas tremendo, segurando-se no muro de proteção – eu quero ver o que você sabe fazer.
Ela já o havia convencido a entrar, então aceitou esta condição. Além disso, estava ansiosa para um “vôo solo”.
Douglas sentou-se em um banquinho no canto da pista, enquanto Gabrielle deslizava para uma área menos ocupada. O que ocorreu a partir disto, teve dois pontos de vista (principalmente).
Douglas sentado no banco observou-a “flutuar” como se os patins fossem partes do seu corpo. Ela foi até um canto, colocou as mãos na parede e depois se lançou a pista. No começo com movimentos simples, a expressão séria. Aos poucos porém, ela começou a realizar movimentos com as mãos como se estivesse dançando balé, um pequeno giro no mesmo lugar... Um salto e uma pirueta, pá! O som de quando os patins dela bateram no chão congelado chamou a atenção dos outros. Douglas estava hipnotizado. As pessoas abriram espaço na pista apenas para vê-la percorrer toda a sua extensão em poucos segundos. Agora a sua expressão mudara. Douglas viu em seu rosto a pura alegria, e apesar disso, seus movimentos eram perfeitos, enérgicos e cada vez mais complicados. Até que por fim, ela começou em um rodopio no mesmo lugar e cada vez mais rápido. Quando ela parou ofegante em uma pose elegante, com o sorriso mais lindo e sincero que Douglas já vira, as poucas pessoas que não estavam perplexas demais, aplaudiram. E então Douglas percebeu duas coisas. Uma: Os olhos dela estavam brilhando com as lágrimas que não paravam de sair e descer pelo seu rosto. E dois: Era absolutamente impossível não admirá-la e a sua paixão. No caso de Douglas, era impossível que não começasse a se apaixonar por ela nesse instante.
Era sempre assim. Quando ela se lançava a pista, a primeira preocupação era executar os movimentos mais simples, sentir que todas as partes do corpo estavam obedecendo como se deve. Ajustar-se ao vôo, até que não precisasse mais do controle... Aos poucos, a adrenalina a deixava acelerada e todos os seus movimentos aconteciam automaticamente, como uma sinergia entre todos os sentidos, deixando-a livre para aproveitar o passeio. Nesse ponto, exatamente nesse momento, ela começava a voar... O ar gelado e delicioso passava ligeiro tocando o seu rosto. Não existia nada a sua volta que a parasse. Não via ninguém. A única coisa que via eram os borrões das cores que passavam rápidas pela sua retina, quase como que formando um quadro surrealista. As lágrimas sempre vinham também, eram impossíveis de controlar. Quando parava, e involuntariamente suas mão se erguiam e suas pernas repousavam em posições angulosas, todo o mundo voltava ao foco. Ela simplesmente desejava jogar-se no chão ali mesmo, mas nunca se jogava.
As pessoas voltaram a seus passeios, e ela ainda estava parada no meio da pista quando Douglas veio desengonçado, proferindo frases onde ela só entendia “...foi incrível...” e “...sério...”. Ela sempre fora um ser impulsivo, mas nunca havia feito o que ela tinha certeza que estava prestes a fazer.
Quando ele se aproximou ainda balbuciando algumas palavras ela o abraçou. Depois afastou-se um pouco dele e colocou as mãos atrás do seu pescoço. Pela expressão dele (que agora calara a boca), ele não entendia o que estava acontecendo ou não acreditava. Os olhos marejados de lágrimas de Gabrielle fixaram-se nos de Douglas, que finalmente entendeu o que se passava. Lentamente ela aproximou os lábios dos dele, que retribuiu fechando os olhos.
Ah, com certeza era impulsiva, ela pensou.
E como ele desejava aquilo.
O beijo em si durou poucos segundos, e então ele deu a ela o que ela desejava.
Com o beijo, Douglas perdeu a concentração na coisa que até aquele momento era a mais importante: Manter-se em pé. Um dos pés dele escorregou, o que acabou levando o outro pelo mesmo caminho. Como ela agora estava com os braços entrelaçados atrás do pescoço dele, caiu junto no chão gelado.
Por um instante Douglas sentiu dor no local onde batera a cabeça. Ela não, afinal, havia caído primeiro em cima dele.
Ficaram se olhando por uns segundos.
- Ai – ele disse.
E caíram na gargalhada, até começar a doer, deitados ali no chão frio com as pessoas passando na volta. Depois pararam um pouco para recuperar o fôlego, e riram mais. Igual a dois malucos.
Capítulo 8: Estranhos e Revelações
- Ah, droga, esqueci o meu celular no quarto – exclamou Gabrielle enquanto faziam o check out no hotel de Londres.
- Deixa que eu busco – prontificou-se Douglas. Ele estava sendo mais gentil e prestativo que o normal nesta manhã.
- Está em cima do...
- Criado-mudo, ao lado da cama, ok.
Gabrielle o observava disparando pelas escadas com uma sacola de viagens de aspecto pesado, enquanto sorria diante da forma como ele a estava tratando naquela manhã. Provavelmente está remoendo alguma coisa sobre ontem a noite, ela pensou. E, diga-se de passagem, era um pensamento bem acertado.
A noite anterior tinha começado de forma irretocável. Tinha tido venda nos olhos, surpresa – na verdade muitas surpresas – patinação no gelo e até beijos...
Quando voltaram ao hotel, os dois, que haviam passado no seu novo pub favorito para tomar uns drinques, e dessa vez parado para ver o show, estavam falando muito e rindo muito. Jogaram-se na enorme cama de casal e ficaram olhando o teto, enquanto a cama rodava lentamente. Douglas segurava a mão dela aparentemente sem notar. Os dois se olharam. Ainda deitados, nem perceberam que o mundo além de um e de outro estava de lado. Ele levou a mão ao rosto dela e a tocou delicadamente. Ela então aproximou-se dele e começou a beijá-lo.
Continuaram com isso por um tempo. Em certo ponto, uma idéia perturbou a mente não tão lúcida de Douglas. Não deviam continuar, ou melhor, não deviam passar disso.
- Espera – ele disse.
- O quê? – ela o olhou nos olhos.
- Você não acha que o que temos... quer dizer, que tudo que aconteceu, é de certa forma, especial? - Ele tinha que fazer força para pronunciar as palavras corretamente, isso quando conseguia pensar nas palavras antes - Eu estou me referindo a toda a situação, às coisas que aconteceram e nos trouxeram hoje, a este momento.
- Claro que sim – ela respondeu, definitivamente não entendia nada do que ele estava falando.
A cabeça dele estava confusa e ele estava muito sem jeito agora. Definitivamente era fraco para a bebida. Estava perdendo feio para Gabrielle que bebera a mesma quantidade.
- Pois é. Eu acho que a gente deve fazer isso da forma certa. Entende?
Para ela, as coisas estavam começando a fazer sentido.
- Hmmm – foi o som que ela produziu – acho que estou te entendendo – apesar da expressão perdida, por dentro, ela estava sorrindo.
- É o que eu estou dizendo – ele disse – é o que eu estou dizendo...
Depois ele levantou da cama e se atirou no colchão ao lado dela, dormindo quase instantaneamente. Gabrielle observava aquilo sentindo-se de uma forma quase tão divertida quanto surpresa.
- Tudo bem – falou ela virando-se para ele no colchão. Ela então pegou a mão dele em uma das suas, o desnível das camas tornava a imagem estranhamente bela. Com a outra mão, ela apagou a luz do abajur.
Quando ele chegou no quarto carregando aquela mala irritantemente pesada, estava ofegante. Por que diabos não subiu pelo elevador, pensou. Foi até a cama, e sentou-se próximo ao criado-mudo. Atirou a mão preguiçosamente para pegar o celular, e ficou brincando com ele nas mãos enquanto remoia a noite anterior. Depois de uns minutos, guardou o celular no bolsinho da mala, e fez menção de levantar. Foi quando Gabrielle entrou no quarto devagar e deu duas batidinhas na porta.
- Entrando – ela disse, e se sentou ao lado dele na cama – Douglas, eu quero te dizer uma coisa.
- O quê?
Ela suspirou.
- O que você fez ontem, foi... lindo, na falta de uma palavra melhor pra descrever.
- Você fala da surpresa, da pista de patinação?
- Também. Mas me refiro a noite inteira, desde a surpresa, até o momento em que fomos dormir.
Ele a abraçou.
- O que me preocupa, é que essa estratégia geralmente não funciona para mim. Mas fazer o quê? Não consigo fazer diferente.
- Parece que não está funcionando? – perguntou ela sarcástica, sorrindo, e o beijou. Queria colocar “seu bobo inseguro” no fim dessa interrogação, mas achou melhor não – Qualquer outro cara teria agido diferente. Você fez tudo como deveria ter feito, eu não mudaria nada.
Ele levantou-se da cama, sorriu pra ela e disse:
- Vamos então? – parecia mais confiante.
- Pegou o celular? – perguntou ela levantando-se da cama também.
- Peguei.
A França é um país indiscutivelmente belo. As ruas de Paris tem um aspecto quase sujo. Não que seja, de fato, sujo, mas elas emanam uma paixão, uma falta de artificialidade, uma arte. Não consigo pensar em outra forma de descrever, já que este narrador que vos fala, nunca esteve passeando por entre as vielas desta cidade, ou às margens do Rio Sena à noite, sob as luzes, estas sim, artificiais. Fato este que um dia há de mudar.
- E você sabe que ele mora em cima deste café, no centro? –Perguntou Gabrielle, enquanto almoçavam, logo após chegarem em Paris. Almoçavam em um restaurante italiano, já que não sabiam o que eram as coisas descritas nos cardápios dos franceses. Melhor não arriscar.
- Sim, eu procurei na internet, em uma lista telefônica mais ou menos do ano em que ele veio para cá. Depois eu descobri que era em cima desse café que eu te falei.
- Mas você tem certeza que era ele?
- Olha, tem muitos Rafael na França, e tem muitas Gabrielle também – ele sorriu pra
ela - mas não muitos Rafael com o meu sobrenome… no mundo.
- Seu sobrenome? Qual é?
- Ah, pra te dizer isso vou ter que esperar você estar perdidamente apaixonada antes. Caso contrário você só vai dizer “Eu não namoro com um cara que tem um nome desses, não mesmo”. Depois vai sair porta afora, no mesmo instante.
- Tão ruim assim é? – perguntou ela colocando a mão em cima da dele na mesa.
- Tão ruim assim – ele riu.
Era de tarde quando foram ao tal café que Douglas descreveu. Ele estava nervoso, pensando se faria como Gabrielle, e gritaria com Rafael, xingando-o de tudo que lhe viesse a mente e culpando-o de tê-lo abandonado. Talvez não, mas com certeza o encheria de sarcasmos, até que finalmente decidiria se o perdoava ou não, dependendo de suas explicações. Choraria somente mais tarde, escondido de Gabrielle... ou talvez não. Sentia-se seguro perto dela, talvez pudesse dividir com ela esse sentimento, como ela fizera na Itália.
Foram até a dona do estabelecimento, uma senhora alta, loura, aparentando uns cinqüenta e poucos. E começaram a conversar com ela em inglês.
- Boa tarde! – disse Gabrielle – A senhora fala Inglês?
- Olá. Sim, sim, falo. Em que posso ajudá-los?
- Oi – adiantou-se Douglas – Nós viemos de muito longe, estamos procurando um homem, que se mudou para cá há quase vinte anos atrás. Eu soube que ele morava no 202, logo acima do seu café. Faz muito tempo que a senhora tem esse estabelecimento?
- Ah, sim. Esse lugar era dos meus pais. Existe a mais de cinqüenta anos. Eu sou a dona há uns trinta já.
- Quem bom!- exclamou Douglas – assim a senhora provavelmente conhece o homem de que estou falando...
- Fala do senhor Rafael?
- Sim, ele mesmo – disse Gabrielle.
- E o que são dele? – a senhora perguntou olhando de um para o outro.
Douglas hesitou.
- Eu sou… filho dele – disse por fim.
A mulher pareceu ficar um pouco incomodada.
- Olha, senhor…
-Douglas.
- Senhor Douglas, não sei como lhe dizer isso, mas conheci o Rafael, realmente há uns vinte anos, apenas alguns meses antes de ele...
- Antes de o quê? – perguntou Douglas, um nó se formava na garganta, ele imaginava a resposta.
- Rafael foi atropelado, há duas quadras daqui, apenas alguns meses depois de se mudar. Ele morreu antes de chegar ao hospital. Odeio ser eu a lhe dar essa notícia… eu realmente sinto muito. Durante o tempo que passou aqui, ele vinha tomar seu café da manhã todos os dias. Sempre me pareceu uma boa pessoa, se isso servir de algum consolo.
Mas Douglas não estava mais ouvindo. Estava tentando processar a informação. Não sabia realmente como encarar aquilo, pois não tinha vontade de chorar. Não se pode sentir falta do que nunca esteve lá.
Capítulo 9: Os saldos e a tremenda idiotice.
Se fosse chorar por algum motivo, seria pela falta de mudança. Pela esperança despedaçada e pela decepção. E por isso, de fato, chorou.
Mas não conhecia Rafael pra chorar por ele. Sabe quando alguém morre na televisão, alguém famoso, mas que você nem sabe o que essa pessoa fazia da vida? Era mais ou menos isso. Será que sua mãe sabia? Provavelmente não, pois falava dele sempre com um tom de raiva. Devia achar que ele fora embora e desaparecido por conta própria, e que nunca mais quis nem saber do filho.
Gabrielle o abraçava, enquanto estavam deitados na cama do hotel, e descansava a cabeça sobre o seu peito.
Depois de quase uma hora na qual ninguém falou nada, Gabrielle falou:
- Está tudo bem?
- Está sim – ele a abraçou mais apertado – só estou pensando.
- Sei que é uma pergunta idiota, mas, no que está pensando?
- Não é uma pergunta idiota não – respondeu ele, os olhos grudados no teto, as mãos afagando o cabelo de Gabrielle – Claro, eu estou pensando nisso também, mas também estou pensando no saldo dessa viagem.
- Saldo?
- É, quero dizer, eu vim até a Europa, planejei isso durante anos e acabou desse jeito. De um jeito que eu não poderia prever.
Gabrielle sentiu uma pontada de tristeza. Se sentiu mal por isso, estava sendo egoísta, pensou.
Como se tivesse lendo os pensamentos dela, ele continuou:
- Por outro lado, uma coisa que eu não previ também, se provou uma surpresa maravilhosa.
A pontada de tristeza sumiu. Gabrielle se sentia ainda mais egoísta por isso, mas uma egoísta feliz pelo menos. E sabendo a resposta, perguntou:
- O que?
Ele a puxou para mais perto, sabia que ela queria ouvir aquilo, por mais que casais no mundo todo digam isso a todo instante.
- Eu encontrei você.
Naquela mesma noite e nos dois dias que se seguiram, Os dois aproveitaram para conhecer o máximo de lugares de Paris que conseguiram. Douglas estava ficando mais a vontade, depois das descobertas que tinha feito. Não dava pra dizer que tinha esquecido, mas Gabrielle era algo tão bom pra ele, que não conseguia ficar triste por muito tempo ao lado dela. De ambas as partes, o sentimento aumentava, e estavam dispostos a dar continuidade quando voltassem pra casa.
Então chegou o dia em que ele partiria para a Espanha, em sua última escala, e ela voltaria para a Itália, onde passaria mais uns dias com o pai.
No aeroporto, chegaram ao momento da despedida, mais uma vez temporária.
- Divirta-se na Espanha – ela disse – eu soube que as espanholas são muito bonitas.
Ele retribuiu o sorriso que ela lhe lançava, o sorriso que estava aprendendo a amar, e a abraçou com nunca antes. A segurou por um tempo, e ainda abraçando-a, disse:
- Obrigado – não sabia se conseguiria soltá-la.
- Obrigada você – ela disse afastando-se – por me ajudar, por me levar a pista de patinação, por tudo que fez. Por me dar apoio com o meu pai…
Uma lágrima correu pelo seu rosto.
- Que bobagem né? – ela disse – até parece que a gente ta se despedindo de verdade!
- Vejo você em alguns dias.
Então ele foi se afastando, de mãos dadas, soltando-a lentamente. Ela sorriu, enxugou as lágrimas com uma das mãos e foi embora.
Teria sido lindo, teria sido mágico, e no fim foi ainda mais mágico, devido a grande idiotice que eles fizeram.
Quando ele estava no avião, pensando que dessa vez era real, não tinha erro, em uma semana mais ou menos, ele teria de fato, um relacionamento, com alguém tão improvável quanto a situação que os uniu, pensou em uma coisa que lhe causou choque.
Eles não trocaram números de celular, depois que o primeiro de Gabrielle estragou. Eles não sabiam o nome completo um do outro, nem o dia em que desembarcariam de volta em sua terra-natal. Como haviam deixado isso passar? Será que estarem apaixonados os havia deixado loucos também? Como pretendiam se encontrar depois, se não tinham nem como se localizarem? Como puderam ser tão idiotas?
Capítulo 10: The End Has No End
Existem pessoas que ao entrarem na nossa vida, mudam tudo. Mudam nós mesmos, mudam a nossa vida, e principalmente, mudam a forma com que vemos o mundo. Até as cores ficam diferentes. O mundo deixa de ser preto-e-branco.
Douglas, que agora estava pensando loucamente em como faria pra encontrar Gabrielle, pensava também que nunca voltaria a encontrá-la por acaso, na rua ou no Shopping ou em qualquer lugar, não numa cidade como a que eles viviam, com seus milhões de habitantes correndo de um lado para o outro.
O que ele não sabia, era que o vôo para a Itália não foi a primeira vez que se encontraram. Muitos anos atrás, eles se esbarraram em uma avenida movimentada. Um tempo depois, ele sentou do lado dela no cinema. Ambos estavam sozinhos, e ele até pensou em conversar com ela um pouco antes de o filme começar, mas sua mente adolescente não lhe deu coragem. Passaram-se alguns anos até o seu próximo encontro, no qual até trocaram algumas palavras, em uma fila pra comprar sorvete. O cabelo dela era de outra cor, portanto, ele jamais relacionaria a garota da fila do sorvete, com a garota do avião, que encontrara dois anos depois.
Eram coisas que ele não sabia, e nunca viria a saber. O mundo é muito pequeno, quanto mais uma cidade. Um cara uma vez, sabiamente me disse: “Não confie na sua memória, ela pode lhe pregar muitas peças”. Seu nome era... como era mesmo? Pedro... João... não, definitivamente era Rodolfo. Ou era Astolfo…? Acho que esqueci.
Ela estava de volta à casa do pai, quando deu-se conta do mesmo fato que Douglas. Havia percebido, por que queria lhe enviar uma mensagem de texto, e de repente perguntou-se pra que número a enviaria. Como resposta a esta pergunta, recebera um ponto de interrogação ainda maior.
Que dia ele iria embora da Espanha? Onde estaria na Espanha? Como se encontrariam em uma cidade como aquela em que moravam? Num aeroporto daquele tamanho?
O mesmo medo que o deixava em pânico, a deixava sem saber o que pensar, a deixava confusa.
Como pudemos ser tão idiotas?
Quando desembarcou na Espanha, Douglas estava louco. Se ele parasse pra pensar, descobriria formas de garantir que a encontraria, mas não pensava direito. No taxi a caminho do hotel, ele levou uma de suas malas junto no banco de trás, para pegar uns biscoitos que queria comer, e que estavam guardados no bolsinho do lado da mala.
Porém, quando colocou a mão para alcançá-los, sentiu uma coisa estranha. Ao puxar essa coisa de dentro da mala, teve a maior sensação de alívio da sua vida. Era o celular de Gabrielle.
O quarto de Gabrielle na casa do pai estava um caos. Ela havia revirado tudo, atrás de seu celular. Todas as suas roupas, as que trouxera consigo na viagem e as que seu pai comprara de presente, estavam espalhadas. A cama estava virada e o colchão estava no corredor.
Quando finalmente desistiu de procurar, lembrou-se. Seu celular estava na mala de Douglas, desde a partida da Inglaterra. Com um sorriso imenso, ela desceu as escadas correndo, em direção ao telefone.
No dia seguinte a sua chegada a Espanha, Douglas estava a manhã toda no quarto, esperando a ligação. Antes de recebê-la, não conseguiria aproveitar a estada, por mais lindo que fosse o país. O celular estava quase sem bateria quando encontrara, fazendo com que ele tivesse que comprar um novo carregador.
Ele estava quase dormindo em cima do telefone, quando uma música alta começou a tocar. A ligação chegou ao som do Cure, com Just Like Heaven.
Quando essa pessoa tão especial surge, fazendo tudo tremer, é de conhecimento público que você deve se prender a ela. Particularmente, não acredito em destino. Não da forma que as pessoas geralmente acreditam, que tudo que tiver que acontecer, acontecerá. Mas por outro lado, acho que as coisas tem sim, seu tempo. Quem sabe o que teria acontecido a Gabrielle e Douglas se ele tivesse tido coragem de falar com ela no cinema? Poderiam ter estado juntos a bem mais tempo é verdade. Mas talvez a imaturidade dos dois na época tivesse feito dar errado. Quem garante que vai dar certo agora? Que é felizes para sempre? Nada pode garantir isso.
Para encerrar, basta dizer que uns dias depois, no aeroporto de sua cidade natal, eles se encontraram. Primeiro ela o avistou. Depois ele a viu ao longe vindo em sua direção, carregando uma mala enorme.
Você aí, que está lendo, quer que eu descreva que eles correram ao encontro do outro, se abraçaram, se beijaram, falaram uma coisa engraçada, e riram juntos, num final cheio de corações, cupidos soltando flechas em meio a fogos de artifício?
Pois é, não vai acontecer.