Conto 3
Geralmente quando agente é jovem temos a sensação de que a
nossa vida não vai acabar nunca, que nada de mal pode nos acontecer, que nunca
ficaremos velhos como nossos avós. E mesmo que tenhamos consciência disso,
parece uma idéia distante, que demorara muito para acontecer. Nada disso é
mentira, mas quando menos nos damos conta o dia passou, a semana passou, o mês
passou, o ano passou, uma década passou, a vida passou e não vimos... A verdade
é que o tempo parece uma grande mentira que nos foi contada, ou talvez seja a
mentira que Daniel mais queria acreditar.
Daniel tinha agora cinquenta e cinco anos de idade que lhe
trouxeram de presente cabelos grisalhos, rugas, uma dor insuportável nas costas
e o pior de tudo em sua opinião, falta de ereção. Mas a sua vida tinha boas
recordações de quando era jovem. Quando tinha 15 anos Daniel começou na
carreira de ator, era um garoto bonito que fazia as garotas se apaixonarem a
primeira vista e ele particularmente gostava disso. Aos poucos sua carreira foi
decolando com gravações de seriados, especiais de TV, atuação em peças de
teatro e outras coisas do gênero.
Os críticos mais exigentes falavam mal de Daniel, diziam que
ele era um mau ator que seu sucesso só existia por que ele era um homem bonito
e que a sua atuação deixava a desejar. Porém Daniel não dava bola, tinha
certeza que era algum tipo de inveja, por que ele era o centro das atenções da
mídia e gostava disso. Não demorou muito e Daniel já tinha uma fortuna e fama.
Comerciais de TV, seriados, peças de teatro chegando inclusive a gravar um CD
de músicas que foi considerado por muitos como o maior desperdício de plástico
da história, mas que vendeu milhões. Sucesso e dinheiro, sua vida se resumia a
isso. As pessoas quando o viam na rua corriam enlouquecidas chorando e gritando
de emoção por ver seu ídolo pessoalmente. Certa vez uma pesquisa revelou que
90% das mulheres o achavam lindo, além de ser considerado um dos homens mais
sexy do mundo.
Muitas pessoas buscam o sucesso e a fama na vida. Tudo bem
isso não é algo de se criticar fortemente, mas buscam isso por que? É isso que
Daniel começou a perguntar para si mesmo. Certa noite no seu auge do sucesso
Daniel saiu das gravações de um programa muito feliz com tudo, havia marcado de
ir jantar com sua namorada em um elegante restaurante no centro da cidade. Por
falar nisso sua namorada era uma famosa artista da TV muito linda por sinal.
Apesar de tudo Daniel sentia algo estranho em seu peito como se algo estivesse
fora do lugar. Ele entrou no carro e foi dirigindo até o restaurante com aquela
impressão esquisita no peito. Foi então que um momento mudou toda sua vida, um
carro o fechou e ele teve que desviar para o lado quando perdeu o controle do carro
e capotou.
O acidente foi tão rápido que ele não viu nada. Quando
acordou já estava no hospital rodeado pela hospitalidade dos seus parentes e
com as palavras do médico que o confortaram. “Você não sofreu nenhuma lesão na coluna, vai poder voltar a sua vida
normal” Daniel pensou consigo que tudo aquilo tinha sido apenas um
acidente, e que todos estão sujeitos a acidentes na vida. Porém ele estava
enganado. Daniel sentiu uma forte dor no rosto, foi quando se olhou no espelho
e viu que parte de seu rosto estava coberto por curativos. Alguns dias depois após
a recuperação e sem os curativos viu as marcas do acidente. Uma enorme cicatriz
atravessava seu rosto, ele se sentiu um monstro. A cicatriz era tão violenta
que cirurgias plásticas não solucionaram nada, na verdade tornaram seu rosto
até mais esquisito.
A mídia ganhou muito dinheiro em cima da sua tragédia, e com
o tempo ele foi sendo esquecido pelas revistas que listavam os mais sexy, foi
esquecido pelas emissoras que nunca mais lhe ofereceram convites para atuar na
TV, propagandas, peças de teatro e as garotas que o idolatravam e juravam amar
Daniel, tudo isso sumira. As pessoas que amavam o seu rosto bonito o
abandonaram, inclusive sua namorada que o deixou depois de alguns meses. As
pessoas nunca haviam olhado para o que Daniel tinha por dentro em seu coração,
apenas para sua imagem...
Daniel viveu então o resto de sua vida com o dinheiro que
havia ganhado durante os tempos de glória e fama, fazendo algumas aplicações
para fazer render seu dinheiro. A vida amorosa consistia em prostitutas que ele
pagava, pois nenhuma mulher se aproximava dele. A vida foi ficando amarga e
sombria com o passar do tempo. Os anos foram passando, seus pais morreram
depois de alguns anos. Agora ele era um velho deformado, depressivo e solitário.
Daniel havia pensado em se matar, mas já que estava velho resolveu
esperar o momento em que a morte viria lhe buscar. Certo dia Daniel acordou
como de costume e foi ao banheiro escovar os dentes. Ele parou em silêncio na
frente do espelho e ficou se observando, tudo que via ali era um rosto disforme,
uma imagem que causava repulsa em algumas pessoas, repulsa até em sim mesmo.
Lentamente uma angustia foi nascendo dentro de seu peito, uma vontade
incontrolável de gritar para que todos pudessem escutar sua dor, uma dor irremediável
que sentia por dentro, uma vontade de apagar a própria imagem diante de tanto
remorso e tristeza. Num impulso de fúria, Daniel soltou um berro e socou o
espelho com seus punhos, fazendo o mesmo quebrar em pedaços cortando seus
braços e mãos. Ele caiu ensangüentado no chão com lágrimas escorrendo pelo seu
rosto.
Daniel foi parar no hospital, fazia algum tempo que ele não
entrava lá. Era um ambiente em que ele não se sentia à vontade, as pessoas o
olhavam com pena para seu rosto, na verdade qualquer ambiente aberto não
agradava Daniel, se sentia um bicho alheio, estranho a aquele lugar, o que era
uma ironia devido a sua profissão no passado.
Lá a médica perguntou por que Daniel havia quebrado o espelho
e se cortado e ele respondeu “Queria sentir,
no meu corpo, tanta dor quanto sinto no meu coração” Um silêncio se
estendeu, a médica ficou aparentemente tocada e nada mais falou, a não ser para
ele esperar para assinar alguns papéis para encaminhamento psicológico. Daniel
sabia que precisava de ajuda, pois não sabia se poderia fazer mal a si mesmo em
outras circunstâncias. Na sala de espera encontrou um livro de capa azul com
nuvens brancas desenhadas que estava em cima de uma cadeira da sala de espera da psicóloga. Ele começou a ler e lentamente se sentiu bem até que encontrou
uma anotação escrita a caneta em uma pagina, que dizia o seguinte... “Eu li as palavras deste livro, se você se
sentiu bem e como eu se machucou e tentou se matar, tente salvar a minha vida,
eu estou na sala 208 e vou me matar”
Daniel levantou-se em um pulo e foi em direção a sala tentar
salvar aquela pessoa.
Será que ele não estava atrasado?
O livro tem o poder de ajudar todas as pessoas?
Continua...