terça-feira, 8 de maio de 2012

O Monólogo Mental Branco


  Tudo ao redor daquele banco é luz. Branca como esta folha de papel (eletrônico).

  - Isso é tudo o que temos a dizer - ele disse.

  - É? – ela disse – Ok.

  Ele olhou para os lados e seu pensamento corria numa velocidade dez vezes maior que o normal. Ela levantou-se para ir embora.

  - Espera... – e segurou-a pela mão, puxando-a de volta ao bando.

  Ela o olhou rapidamente, arrumou o cabelo atrás da orelha, puxou as mãos para dentro do moletom roxo e ficou encarando os próprios pés.

  - Quando eu te vi pela primeira vez – ele disse sem olhá-la – tive um sentimento meio extremo. Sabe? Então eu fiquei te olhando, mas não falei nada. Até que nossos grupos de amigos convergiram em um único grupo maior. Teve uma hora naquele dia em que eu pensei que tinha te perdido de vista... Mas não. E quando a gente se viu novamente, foi você quem falou comigo. E nós falamos muito. E no fim do dia eu já tinha ciúmes de você. E no fim daquela semana eu já me importava mais com você do que com a maioria.

  Parou pra pensar no que dizer.

  - Aquele primeiro dia pode parecer normal pra maioria das pessoas, mas não foi como eu me senti. Não que algo parecido já não tivesse acontecido antes, mas eu acho que... nós fomos educados pra pensar que algo mágico acontece quando conhecemos a pessoa dos sonhos. Acontece, que de todas as pessoas que podiam comprovar isso, você foi a última a quem eu daria essa chance. Eu to falando nesse maldito monólogo, nesse cenário branco imbecil. Sei lá, talvez eu esteja emotivo demais por que passei a noite toda olhando Grey’s Anatomy e Six Feet Under. Eu só sei que as coisas estão todas erradas. Que tudo devia ser mais simples. E ao mesmo tempo que eu reclamo disso, faço parte do problema chamado Ser Humano. Nós complicamos, idealizamos, agimos por instinto, estragamos tudo, nos fechamos, nos abrimos demais, na hora errada... nós inventamos que existe uma hora errada, que não podemos nos abrir demais, que não podemos nos fechar... Somos orgulhosos e egocêntricos!

  “Somos escravos da carne, dos desejos e dos impulsos. E nós idealizamos, por isso às vezes negamos nossos impulsos. Os condenamos. Se nossa atual existência está atrelada a isso, pra que negarmos? Pra que idealizarmos um nível de pureza que não é alcançável por 99,9% das pessoas e assim nos fechamos pra cada uma delas no momento em que elas fogem ao nosso ideal de “decência”? Não seria mais fácil só aceitar o pacote completo, e tentar fazer o melhor com o que temos? Se não tivermos um objetivo inalcançável, temos menos probabilidades de nos frustrar.”

  “Ah! Eu sou parte integrante desse problema todo! Sou “romântico” demais! Eu idealizo muitas coisas. Não aceito insistir demais nas coisas, o que é quase sempre considerado um problema sério. E quer saber? Talvez estejam certos. Talvez devamos insistir mais nas coisas, e não largar na primeira vez em que nos desapontamos. Talvez... talvez algumas coisas valham a pena, e mereçam que se insista nelas. Procuro uma perfeição que não existe. Mas você é o mais próximo disso que eu já conheci, quero dizer, pra mim, seus defeitos são razoavelmente aturáveis! E eu não sou qualquer um também! Eu to te dizendo agora, vale a pena insistir em mim. O futuro me parece mais promissor quando penso em você nele, mesmo que talvez, eu esteja novamente, idealizando. Bom, que se foda, acho que aceitar isso faz parte de aceitar o pacote completo..."

  - Obrigado pela parte de razoavelmente aturáveis, eu acho, mas diz aí... É ótimo falar essas coisas não é? – ela disse.

  - Com certeza!

  - Então por que nunca me falou?






  - Isso é tudo o que temos a dizer – ele disse.
  
  - É? – ela disse – Ok.

  Ele olhou para os lados e seu pensamento corria numa velocidade dez vezes maior que o normal. Ela levantou-se para ir embora. E foi.

sábado, 5 de maio de 2012

Ramon


Dor.

  Uma única palavra pode descrever coisas muito diferentes. Mas nenhuma de suas definições é uma coisa boa. A não ser que você seja masoquista.

  Ramon saiu pra trabalhar. Na rua, a barulheira da cidade. Sua expressão era de total tristeza. Da mais profunda dor. Mas as pessoas no trem não notaram. Chegou ao prédio da empresa e entrou no elevador. Estranho... não tem música no elevador para Ramon hoje.

  As pessoas que o conheciam, também não notaram, ou se notaram, não falaram nada.

  Seu chefe largou uma pilha de relatórios e planilhas sobre sua mesa para serem organizadas. Ele não disse nada, só puxou os papéis do topo, que estavam presos por um clipe, que ele retirou. Passou os olhos pelo papel, digitou um pouco e largou o papel em cima do teclado.

  Recostou-se na cadeira. Toda essa atitude inexpressiva não estava funcionando. Guardar aquilo dentro de si não estava ajudando. Foi até a janela. Sua sala ficava no décimo segundo andar. A vertigem de olhar diretamente para baixo era... tentadora.

  Em todo caso, já se sentia despencando mesmo. Sempre teve um desejo de cair. Cair e continuar caindo. Pra sempre. Tinha esquecido esse desejo por um tempo.

  Dor.

  Será que dói morrer?

  Será que dói mais do que viver?

  Ramon olhou pra pilha sobre a mesa. Qual a finalidade, a propósito? Um macaco bem treinado podia fazer o que ele fazia... ou um robô.

  Um colega sorridente entrou na sala como um furacão. Convidou-o para um happy hour depois do expediente. Ramon negou educadamente. Tinha um compromisso, dissera.

  Beber hoje seria o suicídio de amanhã...

  Durante o dia ele trabalhou, foi ao banheiro, à salinha de café, à sacada. Invisível. Mudo. Automático.

  No fim, acabou indo até o bar com os colegas. Bebeu um pouco e sentiu-se melhor. Bebeu mais e sentiu-se ainda melhor. Mais e começou a sentir-se mal, mas ainda sorridente e falando bobagens.

  Deu tchau pros colegas e foi até um beco ao lado do bar, devolver o que tinha ingerido. Não lembra dos detalhes até ir pra cama, mas acordou no outro dia e já estava de banho tomado. Bom, pensou, preciso ir trabalhar.

  Não, não precisa. Hoje é sábado.

  Saiu de casa assim mesmo. Não havia sons na cidade para Ramon hoje. A noite passada definitivamente não ajudou. Hoje ele queria morrer mesmo. E ainda estava com uma puta dor de cabeça.

  Sentou-se em um banco no parque, em frente a um lago. A imagem era paradisíaca, profética, Nova-Iorquina dos filmes mais felizes. Mas infelizmente, não havia beleza no mundo de Ramon hoje.

  Será que é possível sentir dor até não sentir mais nada?

  Ramon esperava que sim.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Torre


Eu estava na frente do computador. E você tinha deixado a web can ligada, acho que sem querer, enquanto tentava tirar uma foto de si mesma. Testava umas poses estranhas, mas muito bonitinhas de se ver no movimento que você parecia não ter conhecimento.

  Eu escrevi uma mensagem, mas apaguei. Por algum motivo externo, eu tinha que medir as palavras desta vez. Escrevi outra, e outra, e outra... apaguei. Uma amiga sua que eu não gosto muito, apareceu na imagem

  Então saí da frente do computador e fui até a cozinha. Quando voltei, a imagem estava estática, com você em uma única pose. Na minha tristeza instantânea, alguém apareceu no meu quarto. Me disse umas palavras estranhas, como se eu tivesse uma fada madrinha parecida com o meu irmão ou sei lá... eu apareci em uma varanda, junto com minha escrivaninha e computador, que desapareceram  quando eu levantei da cadeira.

  Descobri que era a varanda do seu quarto. Quando entrei e chamei, pude ver que aquela amiga sua já tinha ido embora. Bom.

  Quando te vi comecei a te sacanear quanto a câmera ligada.

  -... E você fazia poses assim... mimimimi!

  - Ah, cala a boca, eu to com vergonha agora.

  - Foi bem bonitinho na verdade.

  Você precisava sair, então foi trocar de roupa. Pediu pra que eu não espiasse... e eu não espiei ok?!

  Quando pronta, vi que sua roupa parecia uma vestimenta típica de antigamente. Tipo, anos vinte... saídas direto d’O Poderoso Chefão Parte II.

  - Vamos, temos que descer e encontrar meus pais e meus irmãos...

  Me puxou pelo corredor até um elevador. Tudo dentro desse local parecia datar do começo do século passado, inclusive as roupas dos funcionários (parecia um hotel). Você largou uma mala no meio do corredor e saiu correndo me puxando até outro elevador. Não entendi o que era. Então um desses funcionários correu em nossa direção enquanto você apertava o botão do elevador freneticamente. Ele ia conseguir entrar, mas percebeu a mala e teve que voltar pelo corredor para buscá-la.

  Você riu alto, um pouco ofegante enquanto a porta do elevador fechava e o homem ficava no corredor. Eu a encarei e acompanhei o riso.

  Chegamos ao térreo e foi como entrar em uma máquina do tempo. Lá todos estavam usando vestimentas modernas (com exceção de outras três pessoas), e o local era um grande hipermercado. Alguém dava voltas com um carro em um dos corredores. Descobri que era seu pai. Seus irmãos (por que ali eram dois), empurravam um ao outro em carrinhos de mercado, batendo nas prateleiras e até contra o carro que por ali dava voltas. Pra nada disso eu pensava “WTF?!”, o que me deu a primeira pista. Quando eles te viram, saíram de seus carros/carrinhos e caminharam para a saída.

  Lá fora chovia, eu olhei para o supermercado e vi a torre altíssima, lá atrás.

  Nesse momento, percebi que não era real. Uma torre dos anos vinte, atrás de um supermercado, com funcionários vestidos a caráter e uma família que se divertia batendo nas coisas em meio aos clientes? Sempre que sonho com você, você está no alto, como naquela torre. Será que isso diz alguma coisa?

  Mesmo sabendo da verdade, na hora eu me desesperei. Me vi caído no chão molhado observando a estranha construção. Você me olhava há alguns metros, se perguntando ,eu acho, o que eu fazia no chão. Eu fui até você e a segurei pelos braços.

  - Você já foi até aquela torre?

  - Claro, é onde nós estávamos. 

  - Tudo bem. Olha... – eu apontava para cima e você me encarava - eu quero dizer uma coisa... Caso qualquer coisa aconteça... aquela torre... se precisarmos um do outro...

  Acordei. 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Talvez...


  Nasceu, e aprendeu a andar, a falar, a correr, a se vestir por conta própria. Aprendeu o caminho da escola e deixou de precisar que sua mãe levasse.

  Conheceu a morte cedo, quando seu avô morreu. Uma marca.

  Conheceu muitas pessoas malucas no segundo grau. Estas também deixaram suas marcas.

  Aprendeu junto com elas, que o mundo é muito mais do que a televisão mostra. Que os problemas tem raízes muito mais profundas do que a sociedade ensina. Aprendeu que ninguém dá a mínima pra isso.

  Tentou mudar o mundo na faculdade, não conseguiu. Frustrou-se, mas tinha ainda vinte anos apenas, e havia se apaixonado. Haveria muito tempo pra mudar o mundo.

  A mudança ficou pra depois, enquanto se separava, se apaixonava novamente e gastava seu tempo trabalhando. Pra comprar uma casa.

  Pra comprar um carro pra ir trabalhar, e assim, pagar a casa e o carro.

  Sempre quis escrever, desenhar, pintar, tocar um instrumento musical. Mas não havia tempo! Tinha que cuidar das crianças, da vida amorosa que equilibrava-se na beira de um abismo gigantesco.

  Chorava quando estava triste. Chorava quando estava feliz, por que pensava que a felicidade não duraria muito, e logo estaria triste novamente.

  As vezes queria acreditar que o momento bom duraria, mas isso só aumentava a queda quando quase podia enxergar a efêmera felicidade lhe escapar por entre os dedos, um momento antes de ela desaparecer.

  Vinte anos depois de começar a trabalhar naquela empresa, vei a demissão. Diziam que era por causa dos problemas com os remédios e outros vícios. Que não produzia mais como antigamente.

  Chorava. Por que ninguém dá a mínima. Quando criança seu mundo inteiro parou por um dia, e ninguém pareceu se importar. Mas era jovem, e havia superado. Havia deciddo que faria algo de maravilhoso com a sua vida. Que algumas pessoas sentiriam respeito e admiração por tudo o que tivesse feito.

  Mas não fora forte o suficiente. Deixara-se engolir pela vida... ou... o que chamam assim.

  Havia ainda tempo? Mais importante, havia ainda força?