Capítulo 8: Estranhos e Revelações
- Ah, droga, esqueci o meu celular no quarto – exclamou Gabrielle enquanto faziam o check out no hotel de Londres.
- Deixa que eu busco – prontificou-se Douglas. Ele estava sendo mais gentil e prestativo que o normal nesta manhã.
- Está em cima do...
- Criado-mudo, ao lado da cama, ok.
Gabrielle o observava disparando pelas escadas com uma sacola de viagens de aspecto pesado, enquanto sorria diante da forma como ele a estava tratando naquela manhã. Provavelmente está remoendo alguma coisa sobre ontem a noite, ela pensou. E, diga-se de passagem, era um pensamento bem acertado.
A noite anterior tinha começado de forma irretocável. Tinha tido venda nos olhos, surpresa – na verdade muitas surpresas – patinação no gelo e até beijos...
Quando voltaram ao hotel, os dois, que haviam passado no seu novo pub favorito para tomar uns drinques, e dessa vez parado para ver o show, estavam falando muito e rindo muito. Jogaram-se na enorme cama de casal e ficaram olhando o teto, enquanto a cama rodava lentamente. Douglas segurava a mão dela aparentemente sem notar. Os dois se olharam. Ainda deitados, nem perceberam que o mundo além de um e de outro estava de lado. Ele levou a mão ao rosto dela e a tocou delicadamente. Ela então aproximou-se dele e começou a beijá-lo.
Continuaram com isso por um tempo. Em certo ponto, uma idéia perturbou a mente não tão lúcida de Douglas. Não deviam continuar, ou melhor, não deviam passar disso.
- Espera – ele disse.
- O quê? – ela o olhou nos olhos.
- Você não acha que o que temos... quer dizer, que tudo que aconteceu, é de certa forma, especial? - Ele tinha que fazer força para pronunciar as palavras corretamente, isso quando conseguia pensar nas palavras antes - Eu estou me referindo a toda a situação, às coisas que aconteceram e nos trouxeram hoje, a este momento.
- Claro que sim – ela respondeu, definitivamente não entendia nada do que ele estava falando.
A cabeça dele estava confusa e ele estava muito sem jeito agora. Definitivamente era fraco para a bebida. Estava perdendo feio para Gabrielle que bebera a mesma quantidade.
- Pois é. Eu acho que a gente deve fazer isso da forma certa. Entende?
Para ela, as coisas estavam começando a fazer sentido.
- Hmmm – foi o som que ela produziu – acho que estou te entendendo – apesar da expressão perdida, por dentro, ela estava sorrindo.
- É o que eu estou dizendo – ele disse – é o que eu estou dizendo...
Depois ele levantou da cama e se atirou no colchão ao lado dela, dormindo quase instantaneamente. Gabrielle observava aquilo sentindo-se de uma forma quase tão divertida quanto surpresa.
- Tudo bem – falou ela virando-se para ele no colchão. Ela então pegou a mão dele em uma das suas, o desnível das camas tornava a imagem estranhamente bela. Com a outra mão, ela apagou a luz do abajur.
Quando ele chegou no quarto carregando aquela mala irritantemente pesada, estava ofegante. Por que diabos não subiu pelo elevador, pensou. Foi até a cama, e sentou-se próximo ao criado-mudo. Atirou a mão preguiçosamente para pegar o celular, e ficou brincando com ele nas mãos enquanto remoia a noite anterior. Depois de uns minutos, guardou o celular no bolsinho da mala, e fez menção de levantar. Foi quando Gabrielle entrou no quarto devagar e deu duas batidinhas na porta.
- Entrando – ela disse, e se sentou ao lado dele na cama – Douglas, eu quero te dizer uma coisa.
- O quê?
Ela suspirou.
- O que você fez ontem, foi... lindo, na falta de uma palavra melhor pra descrever.
- Você fala da surpresa, da pista de patinação?
- Também. Mas me refiro a noite inteira, desde a surpresa, até o momento em que fomos dormir.
Ele a abraçou.
- O que me preocupa, é que essa estratégia geralmente não funciona para mim. Mas fazer o quê? Não consigo fazer diferente.
- Parece que não está funcionando? – perguntou ela sarcástica, sorrindo, e o beijou. Queria colocar “seu bobo inseguro” no fim dessa interrogação, mas achou melhor não – Qualquer outro cara teria agido diferente. Você fez tudo como deveria ter feito, eu não mudaria nada.
Ele levantou-se da cama, sorriu pra ela e disse:
- Vamos então? – parecia mais confiante.
- Pegou o celular? – perguntou ela levantando-se da cama também.
- Peguei.
A França é um país indiscutivelmente belo. As ruas de Paris tem um aspecto quase sujo. Não que seja, de fato, sujo, mas elas emanam uma paixão, uma falta de artificialidade, uma arte. Não consigo pensar em outra forma de descrever, já que este narrador que vos fala, nunca esteve passeando por entre as vielas desta cidade, ou às margens do Rio Sena à noite, sob as luzes, estas sim, artificiais. Fato este que um dia há de mudar.
- E você sabe que ele mora em cima deste café, no centro? –Perguntou Gabrielle, enquanto almoçavam, logo após chegarem em Paris. Almoçavam em um restaurante italiano, já que não sabiam o que eram as coisas descritas nos cardápios dos franceses. Melhor não arriscar.
- Sim, eu procurei na internet, em uma lista telefônica mais ou menos do ano em que ele veio para cá. Depois eu descobri que era em cima desse café que eu te falei.
- Mas você tem certeza que era ele?
- Olha, tem muitos Rafael na França, e tem muitas Gabrielle também – ele sorriu pra
ela - mas não muitos Rafael com o meu sobrenome… no mundo.
- Seu sobrenome? Qual é?
- Ah, pra te dizer isso vou ter que esperar você estar perdidamente apaixonada antes. Caso contrário você só vai dizer “Eu não namoro com um cara que tem um nome desses, não mesmo”. Depois vai sair porta afora, no mesmo instante.
- Tão ruim assim é? – perguntou ela colocando a mão em cima da dele na mesa.
- Tão ruim assim – ele riu.
Era de tarde quando foram ao tal café que Douglas descreveu. Ele estava nervoso, pensando se faria como Gabrielle, e gritaria com Rafael, xingando-o de tudo que lhe viesse a mente e culpando-o de tê-lo abandonado. Talvez não, mas com certeza o encheria de sarcasmos, até que finalmente decidiria se o perdoava ou não, dependendo de suas explicações. Choraria somente mais tarde, escondido de Gabrielle... ou talvez não. Sentia-se seguro perto dela, talvez pudesse dividir com ela esse sentimento, como ela fizera na Itália.
Foram até a dona do estabelecimento, uma senhora alta, loura, aparentando uns cinqüenta e poucos. E começaram a conversar com ela em inglês.
- Boa tarde! – disse Gabrielle – A senhora fala Inglês?
- Olá. Sim, sim, falo. Em que posso ajudá-los?
- Oi – adiantou-se Douglas – Nós viemos de muito longe, estamos procurando um homem, que se mudou para cá há quase vinte anos atrás. Eu soube que ele morava no 202, logo acima do seu café. Faz muito tempo que a senhora tem esse estabelecimento?
- Ah, sim. Esse lugar era dos meus pais. Existe a mais de cinqüenta anos. Eu sou a dona há uns trinta já.
- Quem bom!- exclamou Douglas – assim a senhora provavelmente conhece o homem de que estou falando...
- Fala do senhor Rafael?
- Sim, ele mesmo – disse Gabrielle.
- E o que são dele? – a senhora perguntou olhando de um para o outro.
Douglas hesitou.
- Eu sou… filho dele – disse por fim.
A mulher pareceu ficar um pouco incomodada.
- Olha, senhor…
-Douglas.
- Senhor Douglas, não sei como lhe dizer isso, mas conheci o Rafael, realmente há uns vinte anos, apenas alguns meses antes de ele...
- Antes de o quê? – perguntou Douglas, um nó se formava na garganta, ele imaginava a resposta.
- Rafael foi atropelado, há duas quadras daqui, apenas alguns meses depois de se mudar. Ele morreu antes de chegar ao hospital. Odeio ser eu a lhe dar essa notícia… eu realmente sinto muito. Durante o tempo que passou aqui, ele vinha tomar seu café da manhã todos os dias. Sempre me pareceu uma boa pessoa, se isso servir de algum consolo.
Mas Douglas não estava mais ouvindo. Estava tentando processar a informação. Não sabia realmente como encarar aquilo, pois não tinha vontade de chorar. Não se pode sentir falta do que nunca esteve lá.
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